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luli radfahrer

 

28/05/2012 - 07h00

Egonomia

Enquanto se discute o futuro da Grécia e da zona do Euro, uma moeda muito importante circula em um número cada vez maior de transações pelo mundo. Seu câmbio, artificialmente baixo, ainda parece favorável. Mas a situação logo mudará.

Esta moeda é você.

Comercializado na forma de preferências de consumo, hábitos de navegação, recomendações de amigos, argumentos de busca, links clicados, posições de mouse, páginas visualizadas, mídia compartilhada, locais frequentados e centenas de transações aparentemente inócuas, você é negociado a cada acesso, pagando com a própria identidade boa parte do que parece gratuito.

Essa informação - extremamente valiosa para empresas de pesquisa de mercado, agências de publicidade, departamentos de marketing, serviços de comércio eletrônico e sites diversos - é coletada regularmente, sem dar satisfações. Boa parte dos cem bilhões de dólares de valorização do Facebook vem de uma base de dados qualificada, extraída a custo irrisório de seus usuários.

Como o petróleo e o megawatt, o internauta foi transformado em unidade econômica, mesmo que seu uso da rede seja tão banal quanto trocar e-mails, procurar informações e compartilhar o que encontra com seus amigos. É raro o serviço digital que não possua um dispositivo de rastreamento (chamado amigavelmente de cookie) que acumula uma quantidade cada vez maior de informações a respeito de seus usuários, compondo-as em uma espécie de mosaico de intenções e atitudes, facilmente catalogável. Até serviços aparentemente neutros, como o GMail, analisam o texto das mensagens que circulam por ele e comercializam o resultado na forma de anúncios personalizados.

O volume de dados coletados é impressionante. A cada dia se gera mais informação do que foi compilado desde o início da história até o começo deste século, crescendo exponencialmente. A maior parte dessa informação está ligada a dados pessoais.

A coleta só tende a aumentar. Novas tecnologias, como a Internet das Coisas e a Realidade Aumentada, seriam inviáveis sem que os aparelhos que as portem coletem informações a respeito do histórico, preferências, contexto e localização de seus usuários. No mundo online, o conceito de privacidade está mudando rapidamente, e pode se tornar ultrapassado.

O tema é controverso. Independente dos que se beneficiam diretamente da coleta de dados há muitos que defendem a transparência individual como forma de se chegar a uma sociedade mais honesta, segura, tolerante e transparente. Quando não há segredos, boa parte dos conflitos pode ser facilmente resolvida.

Mas no caminho desta Utopia há um estado intermediário muito perigoso, em que a distribuição e transparência ainda não é universal. Concentrada nas mãos de alguns, ela pode facilmente ser usada contra muitos.

A constante vigilância traz com ela o medo de um estado policial como o descrito por George Orwell em "1984", embora ele seja pouco provável. Muito mais fácil é que aconteçam histórias como "O Processo", de Franz Kafka, em que o protagonista é preso e sujeito a um longo processo por um crime de que não tem consciência. Outras distopias como os filmes "Brazil" e "Minority Report" mostram como os dados pessoais - sejam eles biológicos, biográficos, genealógicos, geográficos, transacionais, relacionais, vocacionais ou computacionais - compõem a identidade e são fundamentais para a segurança pessoal.

Mas qual seria a alternativa? Agir como o Unabomber e se refugiar em uma choupana isolada tem um custo social cada vez mais alto. O espaço online é tão presente e conveniente que força a discussão a mudar de foco: já que o compartilhamento é inevitável, como fazê-lo de forma a garantir que a informação seja usada propriamente?

É um debate inédito, que demonstra uma preocupação bastante saudável com o futuro. Por mais confiáveis que sejam os bancos de dados hoje, nada impede que sejam um dia roubados ou comercializados abertamente. Google ou Facebook, por exemplo, podem ser um dia geridos por algum conglomerado Chinês, Indiano ou Russo que tenha menos pudores com as identidades armazenadas.

Hoje somos todos celebridades. Se Madonna e Paris Hilton podem escapar ilesas de fotos ou vídeos comprometedores, não se pode dizer o mesmo de gente segregada por conteúdo muito mais inocente, lido fora de contexto. Se, como dizia Shakespeare, o mundo inteiro é um palco e somos todos atores, é preciso tomar consciência dos papéis a representar agora que a plateia é imensa. E perene.

luli radfahrer

Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro 'Enciclopédia da Nuvem', em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas.

 

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