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luli radfahrer

 

25/05/2011 - 14h37

Uma gigantesca família

O desconforto crescente que se tem com os progressos do ambiente digital é estranho. Por toda parte é comum ouvir quem se diga "burro demais" para esta ou aquela tecnologia ou que se queixa do tanto que não sabe e precisa aprender para sobreviver no mercado contemporâneo. É verdade que os computadores estão mais sofisticados e dissolvidos nas atividades cotidianas, mas não se pode dizer que tenham ficado mais espertos. Não são eles que estão aprendendo.

Nós é que estamos, continuamente. A angústia de se ver a fragmentação do dia em centenas de microtarefas simultâneas mascara o fato dessa capacidade ser inédita na história do homem. A insatisfação de não saber o suficiente e invejar quem não precisa ter acesso a esse conhecimento é típica de quem é inteligente. Quem nunca sentiu inveja dos burros e quis ser um deles, mesmo que só por alguns instantes?

Felizmente não há como reverter a evolução. Uma vez que se é exposto a uma experiência ou conhecimento, é praticamente impossível esquecê-la confortavelmente. Por isso é bom se acostumar: o mundo está bem complexo e sua tendência é se tornar cada vez mais sofisticado e difícil de entender, demandando um aprendizado cada vez maior --e, mesmo assim, incompleto.

Migramos para uma sofisticação e especialização crescente para a qual nunca haverá uma única solução final, correta ou única. A idéia de conhecimento absoluto é um velho mito. Em uma das mais conhecidas lendas alemãs, Fausto vende sua alma ao demônio para ser onisciente. Ao longo da história, muitas religiões e escolas de pensamento buscaram reforçar a ilusão de um futuro plástico e asséptico, distante do ambiente que nos cerca. Demorou muito tempo para descobrirmos o óbvio: que não somos inteligências lógicas e abstratas caminhando em grandes sacos de carne. Pelo contrário, somos animais grandes, multicelulares, com cérebros pesados e frágeis, que de vez em quando propõem uma ou outra coisa que faz sentido.
Esse autoconhecimento é cada vez mais importante para ajudar a acabar de vez com as idéias obsoletas de um futuro controlado, previsível e organizado. É difícil pensar em algo mais entediante e monótono. A interconexão amplifica a inteligência e torna claro que idéias como "qualidade total" ou "investimento seguro" não fazem o menor sentido.

A única coisa permanente em um ecossistema cheio de variáveis é seu desequilíbrio. Todos estamos condenados a falhar à medida que nos harmonizamos e integramos. É o mesmo raciocínio que se aplica quando se estuda economia, sociologia, meteorologia ou ecologia. Por mais que os valores individuais sejam variáveis, o todo costuma ser bastante evidente.

O mundo interconectado está cada vez mais parecido com uma família, em que ninguém é perfeito, mas que todos sabem que podem se apoiar uns nos outros quando for necessário. A rede se distancia da estrutura mecânica de um grupo de máquinas eletrônicas interligadas enquanto se aproxima do modelo de um cérebro, ambiente em que há mais aptidões do que funções burocráticas, e mesmo essas aptidões podem ser reprogramadas no caso de algum acidente.

luli radfahrer

Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro 'Enciclopédia da Nuvem', em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas.

 

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