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luli radfahrer

 

12/10/2011 - 07h00

Os anarquistas estão chegando os anarquistas

Para ser lido sob o tom sombrio-apoteótico-inevitável desta versão da música do Jorge Ben

Eles são discretos e silenciosos. Ninguém os viu chegar, não se sabe que cara têm, como se organizam, de onde tiram financiamento e apoio para sua estrutura. No entanto, moram bem perto dos homens. Não comutam, não atravessam fronteiras ou divisas muradas. Não voltam para seus guetos aonde podem ser trancafiados, isolados, esquecidos. Sua casa se camufla na paisagem de todas as outras casas. Podem estar, inclusive, perto de você.

Invisíveis, misturam-se à estrutura que os acolhe e nutre, mas nunca levantam a voz. Como não se dá conta de sua existência, passam por burocratas enquanto executam regras herméticas. Suas atividades raramente são compreendidas, quanto mais monitoradas. Por isso estão serenos e seguros enquanto escolhem com carinho a hora e o tempo do seu precioso trabalho.

No Bahrein, Iêmen, Egito e Estados Unidos os novos ativistas não são aqueles que protestam ou esbravejam frente às câmaras, mas a rede internacional de notícias que os capta e transmite, ao vivo, via Livestream e tantos outros canais. Perto dela, Al Jazeera é reacionária. CNN e BBC, alienadas. Reuters e AFP, esnobes. Manifestantes e polícia, atores. Repórteres sem fronteiras, idealistas. Todos amadores.

Os grandes revolucionários dos países da Primavera Árabe e dos movimentos recentes em Wall Street não dão entrevistas, não ocupam espaço frente às câmaras beijando crianças na Líbia como Sean Penn nem têm delírios de onipotência como Julien Assange. Nada disso. São pacientes, assíduos e perseverantes. E discretos, acima de qualquer coisa. Praticam o que, por falta de um nome adequado, é chamado de Hacktivismo.

Eles não ameaçam nem impressionam ninguém. Seu biotipo não causa inveja em um PitBoy, suas armas não assustam um Zé Pequeno. Mas não se deixe enganar: eles são muito fortes e poderosos. Usam sistemas de encriptação como o Tor para contornar milhares de capangas fortemente armados das grandes muralhas de proteção e mostrar ao mundo o mundo que deve ser mostrado. Em especial para quem se cansou do simulacro azul das pílulas, de Adderall a Viagra, passando por Matrix.

Nunca vi uma rebelião de inteligência como esta. Ao contrário do que falou Gil Scott Heron, ela é televisada. Mas por um canal diferente. Você poderá ficar em casa, poderá plugar-se na hora em que quiser. Os ativistas de Nova York garantem público e repercussão para reforçar a moral de cidades em que o movimento ainda é pequeno demais para ser coibido ou cooptado.

A revolução pode ser acompanhada do sofá, tomando cerveja, mas não será patrocinada. Ganhará as telas do YouTube e Vimeo até que a TV não possa mais ignorá-la ou ridicularizá-la. Ela não tem sex appeal, não emagrece, não vende, não aparecerá na Caras nem na Angélica.

Nem na grande mídia, pelo que parece. Desde que a Internet permitiu o acesso direto, meus jornais matinais são algumas agências de notícias. Nelas não há palavra sobre o movimento americano. Claro que não esperaria vê-lo na Bloomberg do prefeito de Nova York, mas o barulho de fundo deve incomodar a moça que fala da previsão do tempo.

Tempo este que é, no sentido Chinês, muito interessante. Praga sutil e discreta, camuflada em um inocente provérbio, se refere a turbulências imprevistas, de difícil controle, que perturbam a normalidade que deveria acompanhar o momento em que todos os desejos se transformam em realidade. Em vez dela, se vê no horizonte que os anarquistas estão chegando. Estão chegando os anarquistas.

Muitos regimes fechados, práticos em controlar o acesso à informação, devem abanar a cabeça, desconsolados com a ironia da situação. Pois justo os terríveis Estados Unidos da América, especialistas em contra-inteligência e propaganda ideológica, não conseguem lidar com uma Tiananmenzinha dessas? Que mal exemplo se dá para o Egito desse jeito.

Mas não se engane: há muita estratégia nesta ação aparentemente desesperada de uma minoria de 99%, a começar por seus slogans, websites e cinegrafistas. Pobres inocentes, definidos no Twitter com a sutileza literária de quem sofre pela morte de Johnny Cash, Steve Jobs e Bob Hope e se diz sem Cash (dinheiro), Jobs (emprego) e Hope (esperança, palavrinha também usada pela campanha do Obama). É muita sutileza para um endividado, não?

Pois se até a Al-Qaeda aprendeu a usar a mídia, tenha certeza que os estrategistas silenciosos sabem o que fazem quando organizam desde a captação, a conversão, a repercussão e a distribuição. Trazem consigo iPhones, câmeras de vídeo, tablets Android. Todos bem iluminados. E evitam qualquer relação com pessoas de temperamento sórdido.

Há um grande mérito em suas queixas e um enorme aprendizado em sua metodologia. A única pergunta que ainda não foi televisada é sua real proposta de mudar o sistema sem quebrá-lo. Incendiar a Bastilha, bem sabem muitos descamisados que saíram de universidades, não é tão difícil. O problema é evitar o terror que sucede o ancien régime.

luli radfahrer

Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro 'Enciclopédia da Nuvem', em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas.

 

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