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manuel da costa pinto
Falhas geológicas
DE SÃO PAULO
Preâmbulo da Segunda Guerra, a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi um conflito entre republicanos e conservadores (monarquistas, católicos e extremistas da Falange, partido fascista espanhol) no qual morreram poetas como García Lorca (assassinado em 1936) e Antonio Machado (ao atravessar a fronteira com a França, em 1939). Mas é um poeta menor, Rafael Sánchez Mazas, que ocupa o centro de "Soldados de Salamina", do espanhol Javier Cercas.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Javier Cercas, autor de "Soldados de Salamina", participou da última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) |
Sánchez Mazas foi um ideólogo da Falange que sobreviveu a um fuzilamento, nos estertores da guerra civil, tornando-se ministro do ditador Francisco Franco. O romance de Cercas parte de um relato nebuloso, segundo o qual, após escapar ileso, ele foi encontrado por um militante republicano que poupou sua vida.
O narrador (no qual reconhecemos Cercas) é um jornalista em crise. Após entrevistar Sánchez Ferlosio (filho real do poeta ideólogo e autor contemporâneo), ele entra numa enquete obsessiva, em que o destino do escritor oficial, com sua antipatia e fragilidade, guarda um segredo essencial.
Quando tudo parece se encaixar, uma conversa do autor-narrador com seu amigo Roberto Bolaño reabre a narrativa. O escritor chileno, mestre na arte de fundir memória e invenção, lembra de um veterano da guerra civil que conhecera num camping catalão (cenário de vários romances de Bolaño) e que poderia ser o republicano que poupara Sánchez Mazas.
Mais que relato sobre a guerra civil, "Soldados de Salamina" é uma narrativa sobre lacunas que precisam ser preenchidas, sobre a falha geológica que percorre a história espanhola e vai provocar outro abalo sísmico décadas depois, quando um grupo de militares invade o Parlamento espanhol em plena redemocratização.
Para nós, a ação de 1981, registrada pela TV, soa como golpe de opereta. Para os espanhóis, porém, são imagens patéticas de um epílogo histórico que parece não ter fim e que Cercas reabre em "Anatomia de um Instante".
Aqui, mais uma vez, importa menos o fato (reconstituído com minúcia documental) do que suas simetrias com o presente e com a própria ficção, pois, se as imagens televisivas e os bastidores desse golpe parecem surreais, só a forma romanesca permite fazer a autópsia do passado insepulto, de fantasmas que volta e meia rondam as noites da Espanha.
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LIVROS
SOLDADOS DE SALAMINA
AUTOR: Javier Cercas
TRADUÇÃO: Wagner Carelli
EDITORA: Globo (274 págs., R$ 34,90)
ANATOMIA DE UM INSTANTE
AUTOR: Javier Cercas
TRADUÇÃO: Ari Roitman e Maria Alzira Brum
EDITORA: Globo (436 págs., R$ 49,90)
OS GIRASSÓIS CEGOS
Dividido em quatro "derrotas" (ou quadros interligados), narra histórias de clandestinidade e execuções durante a Guerra Civil Espanhola.
AUTOR: Alberto Méndez
TRADUÇÃO: José Feres Sabino
EDITORA: Mundo Editorial (2007, 160 págs., R$ 27,90)
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FILMES
SOLDADOS DE SALAMINA
Nessa bela adaptação do romance de Cercas, o protagonista se torna uma mulher, interpretada pela atriz Ariadna Gil.
DIRETOR: David Trueba
DISTRIBUIDORA: Video Filmes (2004, locação)
SUBWAY
Após roubar documentos de grupo criminoso, a personagem de Christopher Lambert se refugia no metrô parisiense e entra em contato com uma fauna subterrânea: um punguista patinador, músicos de jazz e a lânguida mulher do gângster (Isabelle Adjani). Policial cult dos anos 1980, vale mais pelas cenas de perseguição que pela estetização do "underground".
DIRETOR: Luc Besson
DISTRIBUIDORA: Spectra Nova (1985, R$ 19,99)
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DISCO
ÓPERA 2012
Coletâneas de aberturas, árias e coros são válidas para a fruição de quem não busca um mergulho mais aprofundado na complexa relação entre música, letra e enredo das grandes óperas. Aqui, intérpretes estelares como Kiri Te Kanawa, Cecilia Bartoli, Mario Del Monaco e Fischer-Dieskau (morto neste ano) e diferentes orquestras e regentes cobrem repertório lírico que vai de Purcell a Verdi.
AUTOR: vários (Decca, R$ 46, CD duplo)
Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.
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