Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

manuel da costa pinto

 

15/07/2012 - 02h15

Falhas geológicas

DE SÃO PAULO

Preâmbulo da Segunda Guerra, a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi um conflito entre republicanos e conservadores (monarquistas, católicos e extremistas da Falange, partido fascista espanhol) no qual morreram poetas como García Lorca (assassinado em 1936) e Antonio Machado (ao atravessar a fronteira com a França, em 1939). Mas é um poeta menor, Rafael Sánchez Mazas, que ocupa o centro de "Soldados de Salamina", do espanhol Javier Cercas.

Adriano Vizoni/Folhapress
Javier Cercas, autor de "Soldados de Salamina", na última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), no início deste mês
Javier Cercas, autor de "Soldados de Salamina", participou da última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty)

Sánchez Mazas foi um ideólogo da Falange que sobreviveu a um fuzilamento, nos estertores da guerra civil, tornando-se ministro do ditador Francisco Franco. O romance de Cercas parte de um relato nebuloso, segundo o qual, após escapar ileso, ele foi encontrado por um militante republicano que poupou sua vida.

O narrador (no qual reconhecemos Cercas) é um jornalista em crise. Após entrevistar Sánchez Ferlosio (filho real do poeta ideólogo e autor contemporâneo), ele entra numa enquete obsessiva, em que o destino do escritor oficial, com sua antipatia e fragilidade, guarda um segredo essencial.

Quando tudo parece se encaixar, uma conversa do autor-narrador com seu amigo Roberto Bolaño reabre a narrativa. O escritor chileno, mestre na arte de fundir memória e invenção, lembra de um veterano da guerra civil que conhecera num camping catalão (cenário de vários romances de Bolaño) e que poderia ser o republicano que poupara Sánchez Mazas.

Mais que relato sobre a guerra civil, "Soldados de Salamina" é uma narrativa sobre lacunas que precisam ser preenchidas, sobre a falha geológica que percorre a história espanhola e vai provocar outro abalo sísmico décadas depois, quando um grupo de militares invade o Parlamento espanhol em plena redemocratização.

Para nós, a ação de 1981, registrada pela TV, soa como golpe de opereta. Para os espanhóis, porém, são imagens patéticas de um epílogo histórico que parece não ter fim e que Cercas reabre em "Anatomia de um Instante".

Aqui, mais uma vez, importa menos o fato (reconstituído com minúcia documental) do que suas simetrias com o presente e com a própria ficção, pois, se as imagens televisivas e os bastidores desse golpe parecem surreais, só a forma romanesca permite fazer a autópsia do passado insepulto, de fantasmas que volta e meia rondam as noites da Espanha.

*

LIVROS

SOLDADOS DE SALAMINA
AUTOR: Javier Cercas
TRADUÇÃO: Wagner Carelli
EDITORA: Globo (274 págs., R$ 34,90)

ANATOMIA DE UM INSTANTE
AUTOR: Javier Cercas
TRADUÇÃO: Ari Roitman e Maria Alzira Brum
EDITORA: Globo (436 págs., R$ 49,90)

OS GIRASSÓIS CEGOS
Dividido em quatro "derrotas" (ou quadros interligados), narra histórias de clandestinidade e execuções durante a Guerra Civil Espanhola.
AUTOR: Alberto Méndez
TRADUÇÃO: José Feres Sabino
EDITORA: Mundo Editorial (2007, 160 págs., R$ 27,90)

*

FILMES

SOLDADOS DE SALAMINA
Nessa bela adaptação do romance de Cercas, o protagonista se torna uma mulher, interpretada pela atriz Ariadna Gil.
DIRETOR: David Trueba
DISTRIBUIDORA: Video Filmes (2004, locação)

SUBWAY
Após roubar documentos de grupo criminoso, a personagem de Christopher Lambert se refugia no metrô parisiense e entra em contato com uma fauna subterrânea: um punguista patinador, músicos de jazz e a lânguida mulher do gângster (Isabelle Adjani). Policial cult dos anos 1980, vale mais pelas cenas de perseguição que pela estetização do "underground".
DIRETOR: Luc Besson
DISTRIBUIDORA: Spectra Nova (1985, R$ 19,99)

*

DISCO

ÓPERA 2012
Coletâneas de aberturas, árias e coros são válidas para a fruição de quem não busca um mergulho mais aprofundado na complexa relação entre música, letra e enredo das grandes óperas. Aqui, intérpretes estelares como Kiri Te Kanawa, Cecilia Bartoli, Mario Del Monaco e Fischer-Dieskau (morto neste ano) e diferentes orquestras e regentes cobrem repertório lírico que vai de Purcell a Verdi.
AUTOR: vários (Decca, R$ 46, CD duplo)

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página