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manuel da costa pinto

 

18/11/2012 - 03h00

Em "Deus da Carnificina", Polanski faz teatro de crueldades

Entre os grandes diretores vivos, Roman Polanski é aquele que mais depende de um elenco excepcional. "O Bebê de Rosemary" (1968) não seria tão macabro sem a enfermiça Mia Farrow e o ambíguo John Cassavetes, assim como Nastassia Kinski, em "Tess" (1979), é a encarnação perfeita da lascívia humilhada e ofendida.

Já um "thriller" afetado como "Busca Frenética" (1988) sucumbe a Harrison Ford (ator talhado para enredos maniqueístas), e o acadêmico "O Pianista" (2002) só se salva porque Adrien Brody incorpora magistralmente o definhamento do músico judeu que sobrevive escondido ao massacre do gueto de Varsóvia pelos nazistas.

Tudo isso para dizer que "Deus da Carnificina", sua mais recente realização, teria tudo para dar errado. Não é cinema, mas teatro filmado, com base na peça homônima da francesa Yasmina Reza. Ocorre que estão no "palco" atores capazes de traduzir de modo impecável nossas pulsões mais destrutivas, porém travestidas de civilidade.

Divulgação
Jodie Foster e John C. Reilly em cena de "Deus da Carnificina", de Roman Polanski
Jodie Foster e John C. Reilly em cena de "Deus da Carnificina", de Roman Polanski

A trama é simples. Após briga entre dois adolescentes, os respectivos pais se encontram na casa da vítima para resolver a pendenga de modo cordial. De um lado, os anfitriões: Penelope (Jodie Foster) e Michael (John C. Reilly); do outro, os pais do agressor, Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz).

Tudo se passa nesse ambiente em que a tipologia social está no limite da caricatura. Michael, reles vendedor, e Penelope, dona de casa com pretensões artísticas frustradas, formam o casal de classe média. A dondoca Nancy e o advogado Alan, que a todo momento atende o celular para tratar de um caso escabroso da indústria farmacêutica, são o par rico e sofisticado e olham com nojo estético para o casal remediado, que responde com o dedo em riste da indignação ética.

O episódio banal dos garotos brigões dá lugar a acusações e violências verbais. Por trás do discurso politicamente correto estão o ressentimento econômico e o medo de processos. Sob a polidez, um apego atávico a valores tribais, solidariedades frágeis entre machos e fêmeas -e Polanski faz do teatro filmado um teatro de crueldades.

FILME: DEUS DA CARNIFICINA
DIRETOR: Roman Polanski
DISTRIBUIDORA: Imagem Filmes (locação)

CONEXÕES

FILME: DOGVILLE
O palco sem cenário serve para
o diretor dinamarquês desnudar as perversões do puritanismo americano.
DIRETOR: Lars von Trier
DISTRIBUIDORA: California Filmes (2003, R$ 12,90)

TEATRO: ARTE
A peça de Yasmina Reza, autora de "Deus da Carnificina", expõe com humor corrosivo os conflitos entre três amigos.

FILME
BEL AMI, O SEDUTOR

Divulgação
Os atores Robert Pattinson e Uma Thurman em "Bel Ami, o Sedutor"
Os atores Robert Pattinson e Uma Thurman em "Bel Ami, o Sedutor"

O romance de Guy de Maupassant que gerou essa adaptação é um arquétipo da narrativa realista do século 19: a história do arrivista que ascende socialmente pela corrupção e pela sedução. No filme estrelado pelo galã Robert Pattinson, predomina esta última, numa "mise-en-scène" convencional, distante do clima de degradação doentia do livro, que flagra armações entre a elite parisiense e jornalistas venais. Oriundos do teatro, Donnellan e Ormerod têm uma direção de atores segura, com ótimo elenco feminino: Uma Thurman, Kristin Scott Thomas e Christina Ricci -figuras mais sedutoras do filme.

Declan Donnellan e Nick Ormerod (California Filmes, locação)

LIVRO
A CAIXA DE PANDORA

Especialista em cultura greco-romana, Addis mostra a origem mitológica e histórica de expressões como "cesariana", "cruzar o Rubicão" e "pomo da discórdia", que entraram para a linguagem corrente em várias línguas e incluem ditos mais livrescos, como "estar entre Cila e Caríbdis" (algo como "estar entre a cruz e a espada") e "presente para Cérbero" (propina).

Ferdie Addis, tradução de Pedro Sette-Câmara (Casa da Palavra, 192 págs., R$ 34,90)

Martin Schalk/Getty Images
O regente francês Pierre Boulez
O regente francês Pierre Boulez

DISCO
STRAVINSKY: THE FIREBIRD

"O Pássaro de Fogo" (1910) foi a antessala da revolução iniciada pelo compositor russo três anos depois com "A Sagração da Primavera". A gravação histórica, de 1967, com Pierre Boulez à frente da orquestra da BBC, traz a primeira das três suítes escritas por Stravinski a partir do balé original. O disco inclui "Pulcinella" e outras peças, com diferentes formações orquestrais.

BBC Symphony Orchestra; Pierre Boulez, regente (Sony Classical, R$ 44,50, importado)

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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