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manuel da costa pinto

 

02/12/2012 - 03h00

'Fausto' fecha com chave alegórica tetralogia de Sokurov sobre o poder

Em 1999, o diretor russo Aleksandr Sokurov deu início, com "Moloch", à série de filmes conhecida como "tetralogia do poder". Nele, víamos Hitler em seu castelo nos Alpes conversando sobre amenidades com a amante Eva Braun e o casal Goebbels, como se a "solução final" (o extermínio em massa de judeus) fosse mais um quitute no cardápio.

Seguiram-se "Taurus" (2000) --que mostra Lênin caquético, após uma série de derrames-- e "O Sol" (2005) --com o imperador Hirohito atônito diante da capitulação japonesa na Segunda Guerra.

Era de se esperar que, fechando a tetralogia, Sokurov focalizasse mais um tirano ou fizesse um resumo das abominações do século 20. Em vez disso, veio "Fausto", adaptação livre do poema dramático de Goethe --por sua vez, versão romântica do mito medieval do sábio que vende a alma ao demônio em troca de conhecimento, juventude e poderes terrenos.

Divulgação
Cena de "Fausto", de Aleksandr Sokurov
Cena de "Fausto", de Aleksandr Sokurov

O recurso alegórico poderia dar a entender que os tiranos da tetralogia teriam sido apenas manifestações temporais do mal metafísico, da ambição atemporal que faz o homem rivalizar com a potência divina. Ocorre que Sokurov submete o mito fáustico ao mesmo processo de degeneração orgânica descrito nos filmes anteriores.

Tudo é sinistro e grotesco nessa fábula narrada em tom sépia, com imagens em formato quadrado, numa referência aos primórdios do cinema que remete à cena primitiva das perversões modernas.

Logo na primeira cena, o dr. Fausto remexe as entranhas de um cadáver à procura do segredo da alma. Em seguida, cai nas garras de um agiota no qual identificamos Mefistófeles e que o faz perambular triunfante por tavernas e termas da aldeia alemã. Ali, encontra Margarida, cuja presença angelical contrasta com o corpo repugnante do usuário de almas.

Em dado momento, seu pupilo Wagner corteja Margarida e mostra-lhe o fruto da alquimia que aprendeu com o mestre: um feto já decrépito produzido em laboratório.

Sugerindo analogias entre o idealismo romântico e a vontade de potência dos regimes totalitários, Sokurov rebaixa ambos a aberrações num filme que lança mão do abjeto para concluir sua tetralogia de modo sublime.

FILMES

FAUSTO * * * *
DIRETOR: Aleksandr Sokurov
DISTRIBUIDORA: Imovision (locação)

FAUSTO * * *
Essa adaptação de 1926 do poema de Goethe é uma das obras-primas do cinema expressionista.
DIRETOR: Friedrich Wilhelm Murnau
DISTRIBUIDORA: Continental Home Video (1926, R$ 39,90)

LIVRO

FAUSTO * * *
Versão do clássico "recontada" para público juvenil é um guia fluente para cenas de Goethe que aparecem no filme de Sokurov.
AUTORA: Christine Röhrig
ILUSTRAÇÕES: Lúcia de Figueiredo
EDITORA: Girafinha
(2006, 76 págs., R$ 29)

*

LIVRO

A FÓRMULA DA ETERNA JUVENTUDE E OUTROS EXPERIMENTOS NAZISTAS * * *
Carlos de Nápoli, tradução de Julián Fuks (Civilização Brasileira, 240 págs., R$ 32,90)
De Nápoli produziu hipóteses polêmicas sobre Hitler e o destino obscuro dos criminosos do Terceiro Reich após o fim da Segunda Guerra. Aqui, o historiador argentino investiga os experimentos nazistas com seres humanos e os delírios pseudocientíficos que estavam por trás das doutrinas raciais do regime hitlerista.

Myriam Vilas Boas/Divulgação
Da esq. à dir., os violonistas Sérgio Santos e Chico Pinheiro e o pianista André Mehmari
Da esq. à dir., os violonistas Sérgio Santos e Chico Pinheiro e o pianista André Mehmari

DISCO

TRIZ * * * *
André Mehmari, Chico Pinheiro e Sérgio Santos (Buriti/Monteverdi, R$ 29,90)
As canções "Sim" e "Não" trazem harmonia impecável entre voz e música, mas a ênfase da parceria entre o piano de Mehmari e as cordas de Chico Pinheiro e Sérgio Santos são suas composições instrumentais -algumas com vocalizes, muitas com participações ilustres na percussão, no baixo e no clarinete. Lirismo e ritmo emblemáticos da dicção instrumental brasileira.

LIVRO

O BELO AUTÔNOMO * * * *
Org. de Rodrigo Duarte (Autêntica, 400 págs., R$ 57)
A partir do século 18, a reflexão sobre a essência da arte se tornou central no pensamento ocidental, a ponto de gerar uma nova disciplina filosófica: a estética. Nessa antologia, estão reunidos ensaios fundamentais do iluminismo e do idealismo alemães e da filosofia contemporânea, além de antecedentes antigos e medievais da reflexão sobre o "belo".

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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