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manuel da costa pinto

 

27/01/2013 - 03h00

'Rituais do Sofrimento' analisa a mecânica perversa dos reality shows

Já faz mais de uma década que o espetáculo grotesco se repete: todo começo de ano, tem início o "Big Brother Brasil" e, com ele, a mesma discussão sobre os reality shows. Na melhor das hipóteses, teses sobre o narcisismo da sociedade do espetáculo. Na pior, a constatação de que pessoas que considerávamos razoáveis participam do picadeiro interativo -e a sensação de que o inimigo, afinal, mora ao lado de nossa boa consciência moral e estética.

"Rituais do Sofrimento", da socióloga Silvia Viana, oferece um olhar perturbador sobre os reality shows justamente por não ver no "BBB" (e em similares como "A Fazenda" ou "O Aprendiz") uma aberração, mas uma extensão do capitalismo avançado e seu "sequestro do tempo privado pela produção".

Reprodução
Imagem da capa do filme "A Sociedade do Espetáculo", de Guy Debord, lançado nos anos 1970
Imagem da capa do filme "A Sociedade do Espetáculo", de Guy Debord, lançado nos anos 1970

Na contramão da ideia de que os "realities" suprem um manancial de fantasias eróticas, ela diz: "O mote do espetáculo (...) é a concorrência, não o voyeurismo. Portanto, aquilo a que assistimos não é algo obsceno, isto é, fora da cena simbólica; o que se vê é essa mesma cena: um pega pra capar. É esse o fundamento que atrai o nosso olhar, pois é o fundamento de nossa reprodução social."

Nas rinhas de BBBs, encontramos a contrapartida perversa da espiral do consumo e da flexibilização neoliberal do trabalho: se o consumidor trabalha ao consumir (afinal, pagar uma conta pela internet é trabalhar para o banco, com ilusão de liberdade e autossuficiência), nos "realities" temos a própria vida transformada em mercadoria -com a malhação e a escolha da roupa se prestando menos à frivolidade sem recalques do que à "via-crúcis" de quem trabalha de graça para a emissora (aí incluídos aqueles que votam nos processos de "eliminação").

Aliás, as aproximações que Silvia Viana faz entre termos utilizados nesse programas ("paredão", "quarto do terror") com os sistemas totalitários e o jargão dos campos de concentração podem soar apocalípticas, já que todos sabem que aquilo é um jogo.

Como ela diz, porém, crises histéricas e namoros sob edredons podem até ser fingimentos calculistas, mas confirmam a lei que governa a "sociedade-açougue", em que um fiapo de celebridade é uma sobrevida das vidas danificadas.

LIVRO
RITUAIS DE SOFRIMENTO****
AUTOR: Silvia Viana
EDITORA: Boitempo (192 págs., R$ 37)

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+ LIVROS
A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO****
Ensaio visionário em que o filósofo francês (que se suicidou em 1994) identifica na espetacularização a negação vísivel da vida e a realização das potências arcaicas da alienação capitalista.
AUTOR: Guy Debord
TRADUÇÃO: Estela dos Santos Abreu
EDITORA: Contraponto (1997, 240 págs., R$ 44)

CONTRA A COMUNICAÇÃO****
Um dos integrantes da Internacional Situacionista criada por Debord, o pensador italiano analisa a agressão "massmediática" como força que torna tudo homogêneo, cancelando a contradição e a produção de diferença.
AUTOR: Mario Perniola
TRADUÇÃO: Luisa Rabolini
EDITORA: Unisinos (2006, 136 págs., R$ 21)

LARANJA MECÂNICA****
Anthony Burgess, tradução de Fábio Fernandes (Aleph, 352 págs., R$ 79)
A edição comemorativa dos 50 anos desse romance sobre gangues que praticam a "ultraviolência" traz glossário do dialeto urbano criado por Burgess e textos em que o autor inglês discute questões sobre livre-arbítrio ausentes na adaptação de Stanley Kubrick (que partiu de edição mutilada do livro). Em capa dura, inclui ilustrações de Dave McKean, Oscar Grillo e Angeli.

DISCO
ENCONTROS COM A MÚSICA DE SÃO PAULO****
Sylvia Maltese (independente, R$ 27,90)
A pianista e musicóloga interpreta 15 compositores atuantes em São Paulo, do romântico Carlos Gomes, na surpreendente vizinhança de Zequinha de Abreu, aos modernistas Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda. "Tango Burlesco", de Luiz Levy, e "Seresta", de Clorinda Rosato, estão ao lado dos contemporâneos Almeida Prado e Silvia de Lucca, cuja "Chacona" fecha esse belo painel.

FILME
2 COELHOS***
Afonso Poyart (Imagem Filmes, R$ 29,90)
À maneira de "Pulp Fiction" (de Tarantino), o filme lança mão de temporalidades cruzadas e enredos circulares para compor uma trama hipnotizante, em que o desajustado narrador se envolve num golpe que envolve meliantes e políticos. A estética e as interferências gráficas, que apresentam cada personagem na primeira parte, exploram a textura pop da paisagem paulistana.

manuel da costa pinto

Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.

 

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