Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

marcelo miterhof

 

27/09/2012 - 03h00

Romney e a cabeça dos americanos

Em vídeo divulgado na semana passada, o candidato republicano à Presidência dos EUA, Mitt Romney, afirma a ricos doadores de sua campanha que não deve se preocupar em conquistar os votos de 47% da população do país, composta por pessoas que não pagam Imposto de Renda, preferindo viver às custas do governo.

Romney admitiu que foi deselegante ao caracterizar metade dos cidadãos americanos -que, de resto, paga, sim, impostos-, mas reafirmou que as declarações refletem sua opinião: a crença em pessoas livres e na livre iniciativa como forma de gerar riqueza e oportunidades, não em redistribuição. Há o atenuante de que ele falou em um contexto privado, em que há menos cuidado com a escolha de palavras.

Os EUA são um país instigante. Centenas de famílias devotas de uma religião sectária fugiram de perseguição na Inglaterra para colonizar outro continente, onde se misturaram com outros imigrantes, das mais diversas origens e etnias.

Em sua história, sectarismo e liberdade de expressão -algo que foi se ampliando para ideias como as de direitos civis e garantias individuais- convivem próximos e conturbadamente na mais longa e estável democracia republicana do mundo.

A observação de seus debates políticos e econômicos, dos quais fazem parte as declarações de Romney, chama a atenção para a distinção entre os conceitos de direita e esquerda, lá explicitados com uma clareza pouco comum no Brasil.

As relações humanas são sempre reguladas por dois tipos de interação: competição e cooperação. Em um casamento é desejável que haja mais cooperação, mas a competição nunca é de todo suprimida, como na disputa pelo amor dos filhos ou no desempenho profissional. Entre comerciantes do mesmo ramo e da mesma rua, há mais concorrência, mas também existe cooperação, expressa no conceito de "cluster" (economia de aglomeração).

A diferença entre a direita e a esquerda é que a primeira acredita mais no poder da competição e a segunda, no da cooperação.

As declarações de Romney foram toscas, mas têm o mesmo pressuposto de algo bem mais sofisticado proposto por Adam Smith, resumido na máxima "vícios privados, benefícios públicos": não se culpe por agir visando ao que é estritamente de seu interesse individual, pois ao cabo isso será bom para a sociedade. O sucesso do capitalismo na busca incessante pelo lucro indica que a ideia faz sentido.

Porém, a força inovadora do capitalismo teria sido socialmente desagregadora, como foi de fato até seu ápice na crise de 1929, não fosse uma inovação pública dada pela criação do Estado de Bem-Estar Social.

O Estado ampliou a carga tributária para se apropriar dos benefícios gerados de forma concentrada pelo capitalismo, o que o permitiu financiar serviços públicos, como educação, saúde e transporte coletivo, que são duplamente positivos: trazem bem-estar a todos e geram empregos, pois são atividades nas quais, em geral, o aumento de produtividade não poupa mão de obra.

Romney não acredita nisso. Mas sua crença extrema na competição é tão dogmática quanto à de quem com a igual ênfase defende a cooperação, como os que apoiaram ditaduras socialistas enquanto condenavam o regime autoritário no Brasil.

A diferença é moral (vale lembrar que posições moralmente distintas não implicam necessariamente que uma delas seja imoral). Como pontuou Norberto Bobbio, a distinção entre direita e esquerda pode ser respectivamente caracterizada como a aceitação ou não da desigualdade como algo natural.

Por temperamento e convicção intelectual, sou de esquerda.

Valorizo as virtudes da competição, pois o capitalismo e a democracia têm feito do mundo um lugar crescentemente melhor nos últimos séculos, tanto do ponto de vista material quanto das liberdades e dos costumes.

Mas acho que as pessoas costumam ter mais dificuldade para perceber que o bem comum também é do interesse individual de cada um, que uma postura cooperativa atende aos nossos interesses próprios, só que de maneira menos imediata.

O capitalismo é por excelência um sistema produtivo competitivo, que se torna mais eficiente quando moderado por boas doses de cooperação social.

Romney pensa diferente. Por isso, torço por Obama, mas sem demonizar o republicano. Ele é, para o bem e para o mal, uma das faces -sectária e algo caricata- da impressionante diversidade que compõe e faz a força dos EUA.

marcelo miterhof

Marcelo Miterhof é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página