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marcos augusto gonçalves

 

22/10/2012 - 03h00

Obra ausente

DE SÃO PAULO

Em 1901, quando a estação da Luz inaugurou sua nova e bonita gare, com as feições inglesas que conhecemos, já existia do outro lado da rua uma importante edificação: a sede do Liceu de Artes e Ofícios.

A instituição fora criada no final do século 19 para promover a instrução popular. Logo a seguir sofreu uma reforma e tornou-se uma espécie de escola técnica. Ministrava conhecimentos necessários ao exercício de diversas profissões demandadas pelo processo de urbanização e expansão econômica da cidade, além de formar artesãos, artistas e escultores -caso do jovem Victor Brecheret, que foi aluno do liceu antes de se aperfeiçoar na Europa.

Foi o onipresente arquiteto Ramos de Azevedo quem dinamizou a escola e a transformou numa fornecedora de serviços para a construção civil e outras atividades. Coube a ele próprio, com seu associado Domiciano Rossi, projetar a nova sede, que foi inaugurada, incompleta, em 1900.

Era a burguesia do café empenhando-se em aparelhar São Paulo com estruturas artísticas, educacionais e científicas, esforço que deu à cidade, entre outros, o Instituto Histórico e Geográfico, o Conservatório Dramático e Musical, o Theatro Municipal, o Museu do Ipiranga e a Sociedade de Cultura Artística.

Cinco anos depois de sua inauguração, a sede do liceu passou a abrigar também a Pinacoteca do Estado, criada para ser o primeiro museu de arte da capital. Artistas que ganhavam bolsas do Pensionato Artístico para passar temporadas na Europa tinham que reproduzir periodicamente grandes obras da arte universal e enviar a cópia para o acervo da nova instituição -que patrocinou, ainda do início do século 20, exposições importantes, com grande sucesso de público.

Hoje, o prédio da avenida Tiradentes abriga apenas a Pinacoteca, considerada um modelo no país. Entre 1993 e 1998, o edifício passou por uma luminosa intervenção arquitetônica de Paulo Mendes da Rocha. O projeto original foi generosamente respeitado, embora nunca tenha sido concluído. Ficou faltando a majestosa cúpula imaginada por Ramos de Azevedo.

No início da tarde de sábado desci do metrô na estação da Luz, atravessei a rua e dirigi-me ao chamado Octógono, um espaço dentro da Pinacoteca que é de tempos em tempos ocupado por um artista plástico. É o chamado "site specific".

Convidado para criar uma obra no local, o artista Artur Lescher já havia percebido que o octógono servia de base para uma cúpula que não fora realizada. "Para mim, apesar de não existir fisicamente, ela sempre esteve lá", diz ele, que chegou a imaginar em desenhos como poderia ser a estrutura ausente.

Lescher fez uma pesquisa sobre o edifício e logo descobriu a imagem da fachada original. Viu, enfim, como era a cúpula projetada no século 19, que deveria estar ali.

A partir da proposta de Ramos de Azevedo criou sua obra e a instalou no Octógono. Não se trata de cópia, mas de uma versão, que usa elementos do antigo projeto e incorpora (ou desincorpora) outros. Mas atenção: você não verá uma cúpula do lado de fora da Pinacoteca. O artista instalou a peça invertida, voltada para dentro, com a longa agulha metálica que a arremata quase tocando o chão.

Para designar a obra, Lescher recorreu ao neologismo "inabsência", palavra criada para designar "a ausência da ausência ou a presença do que estava ausente". Atrai o olhar e anima a mente.

marcos augusto gonçalves

Marcos Augusto Gonçalves escreve para a Folha de Nova York. É editorialista e colunista do jornal. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou' (Cia das Letras, 2012).

 

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