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marcos augusto gonçalves

 

05/11/2012 - 03h00

Matéria escura

Há poucas semanas, senti-me um perfeito Eremildo ao ler uma entrevista à Folha, na qual o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o sr. Erasmo... quer dizer, Antonio Ferreira Pinto, dizia que o PCC não chegaria a "30 ou 40 indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico".

Bem, se são tão poucos e estão presos há tanto tempo, como se dedicariam ao tráfico? O Estado não teria controle sobre os presídios? Opa, claro que teria: "Há mais de cinco anos que a PM não precisa intervir em presídios. Isso evidencia o nosso controle", garantia a autoridade.

Declarações como essas, cujas inconsistências falam por si, não tranquilizam, tampouco enganam ninguém. Não precisaríamos da escalada do bangue-bangue das últimas semanas para saber que eram fantasiosas.

São conhecidos os progressos do Estado de São Paulo, durante a última década, na redução da taxa média de homicídios. A queda foi drástica e, apesar de tudo, o patamar permanece bem abaixo do nacional. As razões mais citadas para esses avanços são o aumento dos gastos em segurança, a maior quantidade de casos resolvidos pela polícia e a adoção de uma política de encarceramento em massa.

No discurso oficial, o Primeiro Comando da Capital é tratado como uma espécie de matéria escura. Mantém-se invisível, embora saibamos que sem a sua presença o sistema não funcionaria como funciona.

Não se trata de dar ouvidos a teses enviesadas, que atribuem tudo às "ordens do PCC". Apenas é preciso reconhecer -e há diversos estudos sobre o assunto- que a facção atua não só como vetor do crime, mas também como instância de arbitragem de conflitos e normatização de comportamentos nos presídios e fora deles.

Embora o descontrole sobre territórios em São Paulo não tenha atingido o grau que atingiu no Rio, é evidente que a legitimidade do poder público como mediador e provedor de Justiça não se impõe em muitas áreas. O PCC atua nesse vazio, que se alargou no sistema penitenciário depois do massacre do Carandiru.

Aos poucos a facção tornou-se a ordenadora do caos. Eliminou a concorrência, subjugou rebeldes e impôs sua autoridade. Seus tribunais decidem e fazem cumprir as penas, que são poucas e muito claras.

Paralelamente, a sociedade criminosa funciona como instituição de amparo a marginais e às suas conexões familiares e comunitárias. Usa da violência, é claro, mas também do poder econômico, do apelo de seita e do assistencialismo.

Documentos obtidos pela Folha mostraram que o grupo remete mensalmente valores entre R$ 4.500 a R$ 28 mil para parentes de detentos que cumprem penas nos presídios federais de Mossoró (RN), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Catanduvas (PR). O gasto mensal com advogados chega a R$ 200 mil. Papéis de contabilidade indicam a existência de uma rede de mais de mil colaboradores no Estado. Ordens dadas de dentro de presídios são executadas sem pestanejar do lado de fora.

O governo insiste que a facção foi golpeada e tornou-se quase insignificante depois dos ataques de 2006. Não é o que parece. Se foi possível chegar, depois daquele episódio, a uma convivência funcional para todas as partes, está claro que o equilíbrio é precário. Os cidadãos não podem ser privados do direito de indagar sobre a real influência da facção, como as forças públicas a enfrentam e como, afinal, ambas interagem.

marcos augusto gonçalves

Marcos Augusto Gonçalves escreve para a Folha de Nova York. É editorialista e colunista do jornal. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou' (Cia das Letras, 2012).

 

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