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marcos augusto gonçalves

 

28/01/2013 - 03h00

Tubarões no Ipiranga

A primeira vez que vi tubarões em São Paulo foi em 1984. E eles voavam. A espécie se desenvolveu na imaginação de Luiz Gê. A ideia surgiu depois que um amigo viu na casa do artista uma imagem dos "Tigres Voadores", a famosa esquadrilha norte-americana de caças P-40, que usava uma boca de tubarão pintada na dianteira dos aviões. Por que não uma HQ com aqueles bólidos ambientada em São Paulo?

Luiz Gê gostou da sugestão, mas, em vez de caças, resolveu que seriam tubarões. Os predadores nadariam pelos ares, a assombrar os moradores da metrópole. A história investia na paranoia da classe média urbana, assediada pelo medo e trancafiada em apartamentos e carros.

Luiz Gê estava, naquela época, por fazer a capa do novo trabalho de Arrigo Barnabé. O compositor havia causado sensação com um disco vanguardista, que trazia tipos e situações da noite paulistana e apresentava, em ritmo de HQ, Clara Crocodilo, "o delinqüente, o facínora, o inimigo público número 1". O próximo álbum deveria se chamar "Crotalus Terrificus", mas, ao ver a nova aventura de Luiz Gê, tudo mudou. Arrigo decidiu musicar a história, e "Tubarões Voadores" virou um LP.

No fim de semana, fui ver outros tubarões em São Paulo. Soube da existência de um aquário, localizado no bairro do Ipiranga, onde eles poderiam ser vistos. Achei que seria um programa pelo menos diferente, e convidei um amigo e seu filho para me acompanhar. E lá fomos nós, de carro, no dia do aniversário da cidade, ver tubarões.

Não tinha muita ideia do que encontraria, a não ser por algumas fotos na internet, que pareciam animadoras. Estacionamos, descemos e tudo parecia meio estranho. Na entrada, palhaços, balões, uma parafernália de atrações para a gurizada querer gastar dinheiro. Pagamos R$ 40 cada adulto (R$ 20 para crianças a partir de 3 anos) e entramos. Já no início, o caminho, estreito como um túnel de mina, estava lotado. Famílias de classe média com câmeras, celulares e crianças disputavam espaço para se posicionar nas janelas dos tanques.

Bem, vai melhorar, pensei com meu irremediável otimismo. De certa forma, sim. Pelo menos foi ficando um pouco menos apertado. Mas não demorou muito para entristecer. Além de peixes, havia sucuris, macacos, morcegos, um pequeno grupo, bastante deprê, de pinguins e um tamanduazinho solitário, que deu dó.

Os tubarões? Sim, estavam lá, vários deles. É realmente impressionante ver aqueles seres incríveis passando pela sua frente. Da mesma forma, o esplêndido peixe-boi, que nadava numa simulação de igarapé amazônico. Há séculos não visitava um lugar com animais em cativeiro -e havia me esquecido da sensação deprimente que em geral me causam. Voltamos para casa achando o programa meio sinistro. "Trashaço", como disse meu amigo.

Só salvei-me da melancolia no sábado, quando fui ver o show "O Nordeste é Aqui", no Sesc Vila Mariana. Com direção musical de Lucas Santtana, era uma homenagem à presença nordestina em São Paulo. Banda de primeira e participações especiais de Siba, Luciana Simões, Karine Alexandrino e Tom Zé. A seleção foi feita a partir do repertório de compositores nordestinos, de Luiz Gonzaga a Caetano Veloso, passando por Chico Science. Arranjos ótimos, intérpretes muito bons, som da pesada. Salvei-me dos tubarões.

marcos.augusto.goncalves@grupofolha.com.br

marcos augusto gonçalves

Marcos Augusto Gonçalves escreve para a Folha de Nova York. É editorialista e colunista do jornal. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' (Publifolha, 2008) e de '1922 - A semana que Não Terminou' (Cia das Letras, 2012).

 

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