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marcos caramuru de paiva
Vocação asiática
A recente crise entre a China e o Japão em torno da posse de três ilhas no Mar do Leste completou um mês no dia 10 último, com poucos sinais de entendimento. Quando reataram relações, nos anos 70, a China e o Japão resolveram varrer a disputa pelas ilhas para debaixo do tapete. Vez por outra ela aflora, agora com um certo vigor. Tem havido movimentos das Marinhas na área, o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central da China decidiram cancelar participação na reunião do FMI, em Tóquio, e se vê, dos dois lados, intenção de despertar a opinião pública.
A economia rapidamente mostra sinais de alerta. Divulga-se que as vendas de veículos da Toyota na China caíram 48,9% em setembro e as da Honda 40,5%. A Honda chegou a fechar temporariamente cinco fábricas. A agência Xinhua noticiou que mais de 100 mil pessoas desistiram de viagens ao Japão.
Se os japoneses têm com o que se preocupar, a China não fica atrás. Quase 8% das suas exportações dirigem-se ao Japão. Não dá para desconsiderar isso, quando a meta governamental de crescimento de 10% do comércio exterior, em 2012, segue ameaçada, apesar dos números positivos de setembro. Diversas fábricas japonesas localizam-se em cidades que, neste momento, estão crescendo bem, como Wuhan, que abriga plantas da Honda e da Nissan. E as compras japonesas de alimentos desviam-se rapidamente para outros países, por medo de desabastecimento ou sabotagem se as coisas piorarem.
O surpreendente é que há não muito tempo a realidade era outra. A China havia deixado para trás as desconfianças com as aplicações das reservas do Japão em bônus do Tesouro chinês. Em maio passado, o Japão, a China e a Coreia anunciaram a conclusão de um acordo de investimentos e o início das negociações de uma zona de livre comércio. Os três países têm um projeto comum de integração com os dez membros da ASEAN.
O cidadão de classe média chinês não alimenta um espírito antinipônico. A geração que viu as hostilidades japonesas dos anos 30 e as atrocidades da Segunda Guerra envelheceu. A nova geração urbana admira o desenvolvimento japonês, segue a moda, aprecia a culinária japonesa. Acostumou-se a comer sushi e sashimi, algo impensável anteriormente. Os chineses detestam comida crua. A cozinha tem que tem que ter fogo.
Ao abraçar valores ocidentais, desde a metade do século XIX, para criar as bases para se desenvolver, o Japão afastou-se da Ásia. Agora, quando, na moldura de um modelo político-econômico construído pela China, a Ásia do Leste volta ter peso na economia mundial, muitos apostam que o Japão reincorporará a sua vocação asiática. Se a capacidade de gerar tecnologia japonesa se associasse à capacidade de produção industrial chinesa, formar-se-ia rapidamente um novo gigante.
A conclusão plausível é que prevalecerá o bom senso e a crise vai passar. Mas o cenário de uma Ásia do Leste caminhando para níveis mais profundos de integração sairá, desta vez, mais chamuscado do que em crises anteriores.
Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve a cada duas semanas.
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