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maria inês dolci

 

10/09/2012 - 03h00

O retorno da consumidora Laura

Tenho uma amiga que, durante muito tempo, aparecia e sumia por uns tempos. Sempre que voltava de uma de suas longas viagens, contribuía para meus artigos com alguma história impagável, única e interessante.

Ela se animou tanto com as redes sociais e com as compras pela internet, que me procurou antes de uma de suas turnês internacionais.

- Estamos no Primeiro Mundo. Primeiríssimo! Demorou, mas, aos 30 anos, ainda terei tempo para desfrutar deste Brasil mais desenvolvido, exclamou.

- Fingi não notar o corte de alguns dígitos na idade, e perguntei o motivo de tanta euforia com o País, que antes criticava veementemente.

- Ora, as compras coletivas on-line. Comi lagosta com um bom vinho por uma mixaria. Comprei uma excelente imitação daquela bolsa famosa. E, o melhor de tudo: paguei baratinho por passagens aéreas e hospedagem para outro passeio no exterior.

Não falei nada. Como me contrapor a tanta veemência?

Dois meses depois, encontrei com ela em um shopping. Estava abatida, irritada, com profundas olheiras. Temi que estivesse doente. Aproximei-me e perguntei o que havia acontecido.

- Comemorei muito cedo. Nada mudou. Continuamos no Oitavo Mundo!

Não estranhei a reviravolta, pois Laura sempre fora exagerada. Radical e apaixonada por suas teses.

Perguntei se a viagem a decepcionara. Se o tempo não ajudara.
- Que viagem? Foi quase impossível receber as passagens. Os hotéis alegavam que não tinham negócios com o site de compras. Não concederiam descontos, caso houvesse vagas.

Entendi, é claro. Mais uma consumidora digital atraída pela promessa de descontos monumentais, acima de 50% ou 60%, que, na hora da verdade, percebera que fora lesada.

- O pior é que tive de ligar muitas vezes, pedir ajuda a amigos influentes. Brigar, ameaçar, falar grosso. Sei que tive sorte, porque consegui receber o dinheiro desembolsado. Mas não viajei e fiquei aqui, neste agosto seco e quente.

Pobre Laura! O que dizer a ela? Fiquei quieta, convidei-a para um cafezinho, mas ela foi embora depois de pouca conversa.

Algumas vezes me lembrei dela. Como estaria depois das férias frustradas?

Recebi, então, um telefonema incandescente. Era Laura em seus melhores momentos, editados e com trilha sonora. Não foi um diálogo. Escutei, apenas, suas frases repletas de adjetivos: maravilhoso, imperdível, excelente!

Ela se referia ao desconto do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Sim, ela conseguira uma pechincha de última hora, no apagar das luzes das ofertas de carros zero sem a forte tributação.

Tivera de comprar um modelo que não era bem o que queria, mas valera a pena. Estava mais em conta. E com aquele cheiro de carro novinho. Recomeçaram os elogios à medida. Ainda bem que conseguira aproveitar na 24ª hora.

Nem perguntei por que trocar de carro se o dela era praticamente novo, com baixa quilometragem e muito bonito.

Não queria ser sempre a chata, o grilo falante que chama atenção para alguma falha na argumentação.

Liguei para saber que tal o carro novo. Laura estava, novamente, revoltada.

Ficara sabendo que o governo renovará a isenção de IPI. Então, as ofertas continuariam por mais tempo. Poderia ter escolhido modelo, cor, acessórios sem tanta pressa. Que, todos sabem, é inimiga da perfeição - ela adora velhos ditados populares.

Minha amiga, certamente, não foi a única a ter dificuldades com as compras coletivas. Muito menos está sozinha na chateação por correr atrás do automóvel sem imposto, antes que acabasse, e saber que poderia ter escolhido com mais calma.
Só não fico muito preocupada com ela, porque sei que, daqui a um mês, ou até antes, estará envolvida com outra promoção especial, daquelas que só surgem uma vez a cada dois anos. Podem apostar, eu conheço Laura. Ela primeiro compra, depois pensa.

maria inês dolci

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da ProTeste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), é colunista e blogueira da Folha. Atua há mais de 20 anos na área de defesa do consumidor, com passagens pelo setor público e privado. Acompanhou a implantação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.

 

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