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matias spektor

 

20/02/2012 - 07h00

A Síria de Dilma

Quando chegou ao Planalto em 2003, Lula desenhou uma política para o Oriente Médio em que a Síria ocupava uma posição central. Embora o país fosse pobre, fraco e isolado, estava no coração da área mais volátil do planeta, tinha tentáculos no Líbano, recebia apoio do Irã e hostilizava Israel. Para Brasília, Damasco era uma praça diplomática inevitável. Em oito anos de governo, o então ministro das relações exteriores, Celso Amorim, esteve cinco vezes lá.

Nos últimos anos essa política desmoronou. O principal golpe foi o fracasso do acordo nuclear com o Irã, mas houve outros: a morna recepção ao diálogo entre países sul-americanos e árabes, o passo vagaroso dos acordos comerciais e a paralisia das negociações de paz entre Israel e Palestina em que o Brasil pretendia ter uma voz ativa.

Lula ainda era presidente quando o apetite em Brasília pelo Oriente Médio começou a minguar.

Ao assumir o comando, Dilma apostou na retração. Suspendeu iniciativas de futuro incerto e manteve distância para evitar respingos de crises que não eram dela. Quando a "Primavera Árabe" estourou, o clima no Planalto ficou ainda pior: Dilma foi pressionada por americanos e europeus que acharam sua postura conservadora demais; e foi pressionada na direção oposta por russos e chineses que rejeitaram sua atitude, considerada excessivamente liberal.

Em volta à presidente, muitos se perguntam qual é a utilidade de o Brasil manter uma política custosa em relação a uma região que não é nosso prato principal, mas um mero acompanhamento opcional.

Esse questionamento é legítimo, mas deixou de fazer sentido nas últimas semanas.

A Síria virou um redemoinho que está sugando para seu interior tanto países vizinhos quanto potencias longínquas. Franceses, britânicos, israelenses e americanos trocam olhares com o nervosismo de quem busca uma solução. China, Rússia e Índia aguçam os sentidos diante de uma possível intervenção. Turcos e sauditas calculam como será o futuro sem Bashar Assad.

A crise na Síria deixou de ser uma crise sobre a Síria. O que está em jogo agora são as novas regras de conduta internacional.

A resolução do conflito, seja qual for, terá de lidar com três perguntas estratégicas de caráter global. Como e quando suspender a soberania de um país que viola os direitos de seus próprios cidadãos? Quem detém a autoridade para fazê-lo: a ONU, a OTAN ou órgãos regionais como a Liga Árabe? Como impedir que intervenções humanitárias em nome de populações civis aumentem a instabilidade e a injustiça do sistema internacional?

As respostas a essas perguntas afetam em cheio os interesses do Brasil. Em alguma medida, reside nelas o futuro de nossa trajetória como país em ascensão.

Por isso, o Planalto faria bem em abandonar sua ojeriza em relação ao Oriente Médio e sacudir a poeira que hoje embaça a visão sobre as possibilidades e limites que temos naquela região.

Para Dilma, a Síria pode ser fonte de crise e dor de cabeça. Mas também pode ser uma baita oportunidade.

matias spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

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