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matias spektor

 

19/03/2012 - 07h32

Intervenções do Brasil

O Brasil dedicou boa parte do século vinte a fazer da não-intervenção o pilar básico de seu comportamento no mundo. Seguindo tendências globais, abandonou as doutrinas intervencionistas que antes usara para lidar com os vizinhos do Prata. No processo, adotou inúmeras regras para proteger o princípio soberania nacional. A adaptação foi tão exitosa que o país desenvolveu uma visão de mundo profundamente não-intervencionista.

Entretanto, os incentivos externos começaram a mudar a partir dos anos noventa, quando uma nova onda intervencionista começou a varrer todo o mundo. Com medo de ficar isolado e de olho nas transformações sociais internas, a política externa aceitou missões em que a comunidade internacional suspendeu parcial ou totalmente a soberania do país em questão, como no Timor Leste ou no Haiti.

Mais recentemente, diante da Primavera Árabe, o Brasil concordou em parte com os argumentos favoráveis a uma intervenção armada na Líbia. Agora concorda em parte com a crescente crítica global ao regime ditatorial na Síria.

A aceitação desse novo ambiente normativo global tem sido parcial. Mas muitos em Brasília já aceitam como legítima a suspensão dos direitos soberanos de governos que não querem ou não podem cuidar de seus próprios cidadãos. Essa leitura era simplesmente impensável há poucos anos.

O tempo dirá se a inflexão veio para ficar ou não. Mas independentemente do que aconteça, a postura brasileira a respeito do intervencionismo está em estado de fluxo. E devido ao lugar que o país ocupa nas relações internacionais, sua orientação interessa a todos.

Por um lado, americanos e europeus demandam apoio brasileiro para criticar governos genocidas e autorizar na ONU o uso da força contra eles. Por outro, russos e chineses esperam que o Brasil não abra uma brecha que poderia fortalecer os impulsos neocoloniais do mundo anglo-saxão.

Trata-se de um impasse diplomático, sem dúvida. Mas é uma falsa escolha: a postura do Brasil emergente diante do novo intervencionismo não penderá nem para um lado nem para o outro.

A concepção brasileira de intervenção está longe da que prevalece em Washington, Londres ou Paris. Brasília não define sua participação no tema em termos militares e trabalhará para bloquear intervenções unilaterais, mesmo que ocorram em nome de causas nobres. Buscará controlar e limitar o escopo da intervenção por entender que qualquer licença para intervir é normalmente abusada pelos mais fortes às custas dos mais fracos.

A atitude brasileira tampouco se parece às da China, Rússia, África do Sul ou Turquia. Nossa ênfase está em temas como provisão de ajuda humanitária, assistência para o desenvolvimento e prevenção de conflitos, três áreas nas quais Brasília tem (ou pode vir a ter) vantagens comparativas. Mas a escolha não é meramente pragmática. Essa é a orientação mais fiel aos interesses e valores que estão por trás de nosso atual processo de ascensão.

Se o país apostar seriamente nesse caminho, então poderá moldar ativamente da conversa global sobre o futuro da intervenção. E assim terá também alguma chance de lidar com seus interlocutores mais fortes de igual para igual.

matias spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

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