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matias spektor

 

25/07/2012 - 03h00

Armas do Brasil

Negocia-se esta semana na ONU um Tratado de Comércio de Armas. É a primeira tentativa de regulação do lucrativo mercado global de armamentos.

O texto ora negociado afeta em cheio os interesses do Brasil emergente. Trata-se de uma área em que campeões da indústria estão em franca via de internacionalização. Além das gigantescas Embraer e Odebrecht, existe a Taurus, maior fabricante mundial de armas curtas. Exporta para 44 países, detém 20% do mercado de pistolas nos Estados Unidos e espera um lucro bruto para este ano de R$150 milhões de reais. Ainda entram na lista Avibrás (veículos não-tripulados e foguetes), Mectron (mísseis), Helibrás (helicópteros) e Companhia Brasileira de Cartuchos (munições). A Condor vende 100 produtos de "tecnologias não-letais".

Essas empresas preferem um tratado minimalista. Não querem explicar publicamente suas vendas nem revelar a lista de clientes. Tampouco enfrentar questionamentos caso suas armas sejam utilizadas para desestabilizar uma região, violar direitos humanos, fomentar o crime transnacional e o terrorismo, ou atrapalhar o combate à pobreza. Isso é compreensível - elas querem fazer negócio.

Assim, o governo brasileiro trabalha para deixar o tratado livre de mecanismos intrusivos. Nem precisa fazer força para isso - há muitos países dispostos a fazê-lo em seu lugar. Irã, Síria, Cuba, Venezuela e Paquistão têm a dianteira. A Índia joga no mesmo time; muitas vezes, os Estados Unidos também. Na sexta-feira, estará provavelmente garantido o triunfo total da posição brasileira.

Em Brasília fomenta-se o êxito dessas indústrias, que geram divisas e empregam milhares de pessoas em áreas de alta tecnologia. Daí a lei de março passado, que outorga crédito fácil e isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI.

Ninguém no governo questionou a Avibrás por vender 18 sistemas de "bombas cluster" para a Malásia, a Mectron por seus 100 mísseis anti-radar para o Paquistão ou a Condor por sua exportação de gás lacrimogêneo para a Síria de Bashar al-Assad. O tema simplesmente não está na agenda, e todos os incentivos de hoje apontam para mais do mesmo.

Entretanto, há uma pequena ameaça no horizonte. Grandes indústrias de armamento europeias e americanas começaram a ajustar sua posição. Como elas enfrentam controles cada vez mais estreitos para suas exportações, buscam meios de moldar o novo ambiente regulatório em benefício próprio.

Segundo elas, um tratado internacional decente seria bom para quem quer ganhar dinheiro. Criaria um controle de qualidade parecido à ISO, padronização de produtos comandada pelo setor privado que facilita a abertura de mercados.

Também estabeleceria códigos de conduta comuns, algo valioso em mercados cheios de clientes de caráter duvidoso, onde uma venda inapropriada pode ferir o interesse de acionistas e macular a reputação das empresas e de países.

Se essas regras pegarem e nossa indústria continuar apostando contra a transparência, todos perdem. Sobretudo o cidadão brasileiro, que é obrigado a custear um negócio sobre o qual ninguém o consultou.

matias spektor

Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor de 'Kissinger e o Brasil'. Trabalhou para as Nações Unidas antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas.

 

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