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luiz rivoiro

 

27/06/2010 - 00h02

Descuido

Sábado passado, eu vacilei. E o resultado foi um acidente. Não comigo, mas, pior, com o Pedro. Aproveitando a bela manhã de sol, decidi levar os meninos ao parque do Ibirapuera num horário que ainda é possível frequentar o local sem correr o risco de ser atropelado pelos ciclistas amalucados. Skate numa mão, patinete na outra, lá fomos os três, eu, o João e o Pedro deslizar pelas pistas do parque. Até aí, tudo muito bem. Trânsito livre na área do viveiro Manequinho Lopes, próximo ao portão de número 7. Sinal verde e os garotos aproveitaram para deslizar sem obstáculos.

Até que o Pedro quis ir ao banheiro. Nada mais normal, claro, não ficasse o toalete ao lado de um parquinho com robustos e divertidos brinquedos de madeira. Foi ali que tudo aconteceu. Para falar a verdade, fui eu quem insisti com os meninos para que eles brincassem naquela área. Como o sol estava forte àquela altura, achei que eles estavam um tanto cansados do vai-e-vem das rodinhas e que uma pausa nos brinquedos seria a melhor opção. O João, no entanto, não se empolgou. Acho que por ter se esforçado demais nas manobras com o skate (sim, o cara tá mandando muito bem! Te cuida Zeke & Luther!) preferiu ficar num banco comigo sob a sombra. Já o Pedro, logo disparou.

Em segundos lá estava o menininho cruzando as pontes de madeira como um legítimo Indiana Jones, deslizando pelo escorregador até que ele viu um outro garoto se dependurando naquele trepa-trepa que a criança vai passando, dependurada, de um apoio para outro, a mais ou menos dois metros de altura do chão de terra. De onde eu estava, e não era muito longe, percebi que o tal menino se saía bem no desafio. Logo, lá estava o Pedro seguindo o outro garotinho, se preparando para lançar todo o peso de seus 16 quilos na barra. Pedi que ele esperasse e me aproximei. Ao lado dele, me ofereci para ajudá-lo com apoio, o qual ele recusou de forma veemente. Afinal, o menino desconhecido tinha conseguido, como ele não conseguiria? "Mas Pedro, é difícil.... Tá bom, ok, vamos lá. Primeiro as duas mãos numa barra, depois, solta uma, segura na próxima barra, fica pendurado, passa a segunda mão e assim vai..." Bem, não deu tempo de passar a segunda mão. Numa fração de segundo, e bem diante dos meus olhos como se acontecesse em câmera lenta, ele despencou de cara no chão. Só deu tempo de acolhê-lo em meus braços enquanto as lágrimas gordas e sentidas escorriam lavando a poeira do seu rosto. "Caramba, como não consegui pegá-lo????", era a pergunta que me torturava feito um prego sendo cravado na minha testa.

Além de tentar consolá-lo dizendo que aquilo acontece, mas agora ele sabia que precisava ir com calma e tal, me lembrava do acidente com o João ocorrido há três anos, quando ele caiu de um escorregador numa festinha e quebrou o braço. O paralelo era inevitável, já que, como naquela ocasião, eu estava novamente sozinho com um de meus filhos e, mais uma vez, o deixara se machucar. A lembrança do João com o braço fraturado e a sua dor estampada fez minha espinha gelar. Será que o Pedro tinha quebrado alguma parte do corpo? Felizmente, não houve nada mais grave. Apenas o baita susto e a inevitável sensação de impotência que insistia me castigar.

Carreguei então no colo o pequeno menininho até o carro e depois levei-o para casa. No trajeto, as lágrimas secaram, o que encarei como um ótimo sinal. No entanto, ele se recusava a colocar o pé no chão e assim se manteve irredutível durante a tarde toda, ainda que deixasse de se queixar. Tinha então de contar para a Mãe. E o fiz por telefone, dada a minha ansiedade, já que ela estava fora num evento de trabalho. Com calma, ela conseguiu tirar um pouco o peso das minhas costas, mas ainda assim sentia-me péssimo.

À noite, ele estava bem melhor. Comeu bem, dormiu tudo e acordou sem queixa alguma. "Ufa!", desabafei quando o vi caminhando pela sala sem reclamar. Foi então que percebi o quanto eles, os meninos, por mais que demonstrem desprendimento e coragem, ainda são frágeis. Seja no parquinho ou em qualquer outro lugar, tive mais uma vez a certeza de que preciso estar ali, ao lado deles. Pelo menos por enquanto.

Luiz Rivoiro

Luiz Rivoiro, 42 anos, é pai de João, 8, e de Pedro, 4. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha.com.

 

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