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luiz rivoiro

 

08/08/2010 - 00h02

Hora de deslizar

Não faz muito tempo, ganhei um skate de um amigo. Adorei. O Pedro ainda não era nascido, e o João devia ter no máximo uns dois, três anos. Logo me imaginei deslizando pelos parques da cidade, fazendo manobras radicais, saltando sobre corrimões e degraus, aí, maluco, radical, uh uh! O sonho, no entanto, durou pouco, ou quase nada para ser sincero. Na primeira tentativa, ficava evidente a total incompatibilidade existente entre nós: arisco, o skate foi para um lado, enquanto eu me esborrachava feito um saco de polenta no chão. E assim foi na segunda, na terceira, na quarta, até que desisti. "Quer saber, tô velho demais pra isso!", disse pra mim mesmo. Guardei o brinquedo num canto do escritório. E ali ele ficou, podemos dizer, adormecido.

O fato é que nunca fui um ás do skate. Nem na época de moleque. Andava um pouco aqui e ali, mas a minha praia era mesmo a bike. Não saía de cima. Ela era a minha parceira de todas as horas, a amante ideal. O skate, bem, não foi além de uma paixonite de verão. Mas quis o destino que nós no reencontrássemos e, mais uma vez, tentássemos engatar um relacionamento mais maduro, amaciado pelo tempo, fruto da experiência vivida ao longo de mais de quatro décadas de vida. E quem puxou isso tudo foi o João.

Certo dia, ele pareceu na sala animado. Tinha encontrado o skate empoeirado atrás do sofá do escritório. "Pai, posso andar com o seu skate?" Primeiro, achei que ele era ainda muito novo e que podia se machucar. Disse para esperar um pouco mais. Em breve, ele poderia pegá-lo. E ele esperou. Neste intervalo, ele melhorou consideravelmente a sua performance na bicicleta, chegando a dispensar as rodinhas. Enquanto isso, o Pedro, excitado por essa movimentação toda, mandava ver em seu triciclo turbinado! Até que chegou o dia. Numa manhã de sábado, peguei o skate, espanei a poeira, e convidei os meninos para irmos à pracinha nos aventurar. Eles toparam na hora, ainda que sob o olhar apreensivo da Mãe, quem sabe ainda ressabiada com as minhas frustradas tentativas de deslizar sobre rodinhas. Mas tudo bem. E lá fomos nós.

Não levou muito tempo até que o João começasse a se firmar. Impressionante como as crianças logo se equilibram. Claro que rolou um chão aqui e ali, mas nada grave. Aos poucos ele foi perdendo o medo e se arriscando mais e mais. No final da manhã, ele já tinha acumulado muito mais experiência do que eu, sendo capaz de percorrer trechos até que longos sem cair. Quanto a mim, senti vontade de voltar a me arriscar. E não deu outra: skate prum lado, e eu pro outro. A incompatibilidade ainda imperava. Eita!

Nos finais de semana seguintes, continuei a incentivá-lo. Comprei equipamento de segurança adequado e combinei que ele só poderia andar devidamente paramentado. Isso ajudou a tranquilizar a Mãe, que a esta altura já havia se rendido e até mesmo arriscava dar umas deslizadas. Muito melhor do que eu, diga-se. O Pedro também resolveu se aventurar mais e trocou o triciclo pelo patinete. Com suas perninhas, mandava bala atrás do João. Definitivamente, ele estava no time.

Assim foi até que me dei conta de uma coisa: e se eu montasse um skate só pra mim? Maior, mais estável e tal? Quem sabe assim eu não conseguia me equilibrar? Não deu outra. Num sábado à tarde, percebendo que as rodinhas e rolamentos do skate do João precisavam ser trocadas, fomos juntos à uma loja especializada. Fui claro e direto: "Meu amigo, sou o maior prego. Preciso de um skate pra acompanhar o meu filho aqui, mas tem de ser um fácil de andar, que não exija lá muita habilidade. Dá pra me ajudar?" Dava. O sujeito se compadeceu e propôs montar um skate pra mim: board um pouco mais longo e largo, rodinhas maiores e truque devidamente ajustado. Ficou uma beleza. Faltava testar.

No dia seguinte, lá fomos nós de novo. No parque, subi já prevendo o tombão. E não é que ele não veio? O skate realmente funcionou. Em pouco tempo, lá estava eu lado a lado com o João e o Pedro (com seu inseparável patinete) deslizando quase sem medo. Uau! De longe, a Mãe ficava só observando, até que pediu meu skate emprestado e se mandou ao lado dos meninos. Adorou. Tanto que, uma semana depois, comprou um skate só pra ela, com um dragão invocado estampado no board. O fato é que agora deslizar pelos parques (e é legal enfatizar isso, nada de rodar pelas ruas ou calçadas!) virou o programa predileto da família. É só dar uma brecha, e lá estamos todos sobre rodinhas. Vez ou outra, o Pedro pede pra dar uma voltinha no skate, mas ainda precisamos segurá-lo. Não importa. Logo chega a vez dele. O importante, a gente aprende, é não ter medo de cair.

Em tempo: Hoje é Dia dos Pais. Parabéns a todos que, como eu, estão vivendo essa experiência fantástica. Podia falar um monte coisas aqui, recitar poemas, rememorar filmes, cantar umas musiquinhas. Mas nada disso. Fica só uma dica: o melhor que podemos fazer hoje é estarmos junto a eles. Se não deslizando de skate, talvez pedalando uma bike, jogando bola ou simplesmente ouvindo o que eles têm a nos dizer.

Luiz Rivoiro

Luiz Rivoiro, 42 anos, é pai de João, 8, e de Pedro, 4. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha.com.

 

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