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luiz rivoiro

 

22/08/2010 - 00h02

Quando vovô se foi

Domingo passado, o vovô Luizão se foi. Isso. Meu pai morreu. AVC, uma semana de UTI, entubação, sequelas imprevisíveis, infecção, sono profundo, até que o coração parou de bater. 18h55. Duro. O peito dói como algo o pressionasse com muita força. Lágrimas, tristeza, saudade. Nunca senti nada parecido. E como falar disso tudo com as crianças?

A verdade é que não sei. Durante os dias em que ele esteve internado, larguei tudo para estar ao seu lado. Viajei para Ribeirão Preto, onde ele vivia com minha mãe e lá fiquei até o fim. A Mãe ficou aqui com as crianças. À exceção da minha ausência, a rotina não foi alterada. Explicamos que o vovô estava muito doente, no hospital, e que eu iria ficar com ele até quando fosse necessário. Na sexta-feira, a Mãe se juntou a mim graças ao apoio dos avós maternos, que gentilmente se dispuseram a cuidar dos meninos.

Neste dia, até que ele esboçou uma reação. Nos enchemos de esperança. Parecia que ele iria, mais uma vez como fez tantas outras vezes ao longo dos seus 72 anos, sair dessa. "Ele é forte, muito forte." Foi a frase que mais ouvi durante esses dias. E de fato era. Acordava cedo, trabalhava o dia todo, ia de um lado para outro, consertava uma coisa aqui outra ali, gostava de pegar os meninos nos braços, colocá-los no colo, fazer cavalinho, abraçá-lo. Mas não deu.

Recebi a notícia da morte num posto de estrada. Voltava para São Paulo na noite de domingo e havia dado uma parada para um café. Quando o telefone tocou e vi no visor a identificação, soube na hora do que se tratava. O fato é que ele havia piorado nas 24 horas anteriores e o prognóstico não era bom. Ainda assim, como se quisesse me enganar ou poupar minha mãe de um sofrimento antecipado, decidi que voltaria para ver os garotos. Não deu.

Não contamos de imediato aos meninos o que havia acontecido. A Mãe argumentou que nós é que deveríamos explicar a situação, e que isso deveria ser feito ao vivo. Concordei. Protelamos assim a nossa volta para depois do enterro, quando quase tudo estivesse mais ou menos resolvido. Meu contato com a morte foi breve. Não era o meu pai quem eu via ali, sem vida. Estranho. Para mim, era como se ele ainda estivesse vivo em algum lugar e assim permaneceria para sempre, como achamos que acontece quando ainda somos crianças. De imediato, tive a certeza de que aquele não era a imagem que os meninos deveriam guardar do vovô.

Sinceramente, não sei se esse é o protocolo a ser seguido. Foi apenas o que senti, e agi segundo esse sentimento. Claro que também havia a vovó, corroída por uma dor aguda, fragilizada, com os olhos encharcados e vermelhos, as mãos pequeninas um tanto trêmulas. O riso apagado. Também não era essa a vovó Lurdinha que os meninos conhecem. Ela sempre foi brincalhona, com suas piadas e gargalhadas abertas e sonoras. Não, definitivamente não era essa a imagem que os garotos deveriam guardar da vovó.

Tudo correu rápido, como num filme no qual nos vemos inesperadamente no papel principal. Na terça-feira, voltamos para casa. Tentei falar com o João. Não consegui. Com o Pedro, sequer tentei. Simplesmente não deu. As palavras não saíam, sobretudo porque eram eles o grande amor do meu pai. Na cabeceira da cama dele, as fotos eram dele com os meninos. Orgulhoso, feliz. Faltaram-me força, coragem, palavras. Desisti. Disse apenas que o vovô continuava muito doente. E fui para o meu quarto. No peito, aquela mesma dor que insistia a pressionar os ossos e esmagar o coração. Foi quando a Mãe se dispôs a contar. Agradeci.

Na manhã seguinte, ela se levantou mais cedo. Pouco depois, voltou ao quarto e disse que havia falado. O João, com 8 anos, entendeu melhor. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ele segurou firme, talvez por causa do Pedro, que do alto de seus 4 anos, disse como que lamentando a perda de um grande parceiro de travessuras: "Mas eu gostava tanto de brincar com o vovô Luizão..." Minutos depois, estavam os dois me abraçando na cama. Apertei-os com força. Sei que continuaremos todos juntos.

Luiz Rivoiro

Luiz Rivoiro, 42 anos, é pai de João, 8, e de Pedro, 4. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha.com.

 

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