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luiz rivoiro

 

06/12/2010 - 14h59

O futebol

"Ué, mas você joga bola de verdade?" A pergunta, carregada de incredulidade, foi disparada à queima-roupa pelo João. "Mas claro que jogo!", devolvi, indignado com a desconfiança do menino. "Mas assim, velho desse jeito?", retrucou, sem se intimidar com a vermelhidão que já começa a me consumir a face. Com a frase ricocheteando de um lado ao outro da minha cabeça, disparei: "Já te falei que eu sei jogar futebol. Não só sei, como joguei muito tempo, inclusive num time de verdade, o Botafogo de Ribeirão que você conhece. Claro que não cheguei a jogar como profissional, mas dos 14 aos 16 disputei alguns campeonatos no infantil e juvenil. Como assim, se eu sei 'jogar futebol'! Sim, senhor, eu sei!!" Ufa! quando olhei para ele, lá estava o menino, debruçado ao meu lado no braço do sofá com aquele sorriso maroto no rosto. "Então tá, né!"

A conversa começou quando eu convidei o João a me acompanhar num evento futebolístico ao qual, uma única vez ao ano, me dedico: o disputadíssimo embate entre os dedicados funcionários das revistas VIP x PLAYBOY, sendo este último o meu time. Ainda que disputado apenas uma vez ao ano, o encontro já tem pinta de clássico, ainda mais quando os "playboys" detêm uma invencibilidade de três longos anos. Rivalidade à parte, o fato é que chamei o João, que agora, aos 8 anos, também se dedica a treinar futebol, a ir comigo. E claro que ele topou.

Como a partida aconteceria às 20h30, combinei de pegá-lo na saída do treino e dali irmos direto. Logo na porta, ele já falou que tinha jogado bem e até marcado um gol. Ultimamente, ele tem jogado de atacante e se dado razoavelmente bem. Ainda é cedo para dizer se será um craque, mas que tem vontade e garra, isso ele tem. Como sabemos, já é meio caminho andado. Ao chegarmos no local do jogo, ele, ainda tímido envergando seus óculos a la Harry Potter, demorou a pegar a bola que estava ali dando sopa. Até que um dos meus companheiros de time quebrou o gelo, e tocou pra ele. Em segundos, lá estavam os dois trocando passes animados. Beleza, lá fui eu para o vestiário me trocar.

Numa situação como esta, impossível para mim não lembrar da época que meu pai me acompanhava aos treinos e jogos no então glorioso estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto, e em campinhos pelos bairros e cidades próximas. Também me recordo das inúmeras vezes que o acompanhei aos jogos do Botafogo, em partidas memoráveis nos anos 70, como os 10 x 0 do "carrossel" de Dr. Sócrates e companhia em cima da Portuguesa Santista ou nos 4 x 0 contra o para mim enigmático Saad, time que misteriosamente desapareceu do futebol paulista. Nas noites de quarta ou nas tardes de domingo, estávamos sempre lá, num ritual que envolvia o camiseta do clube, guaraná Antarctica mais ou menos morna, cachorro quente, encontros com amigos e, claro, muita vibração e alguns xingamentos. Também me lembro de integrar o coro da geral que parecia se divertir com sua indecisão crônica ao gritar: "Põe o Arlindo!" ou "Tira o Arlindo!" numa mesma partida. Mas quem era o Arlindo? Era o centroavante tricolor, amigo do meu pai e que, depois de muitos anos, vim a conhecer e a dar boas risadas sobre esse "põe-e-tira" das arquibancadas.

Hoje, ao recordar esses eventos, me pergunto por que ainda não levei os meninos ao estádio aqui em São Paulo. Preguiça? Com certeza, mas, antes disso, vem a desilusão com aquilo cerca o esporte e maltrata o torcedor. Ingressos caros, filas desorganizadas, lugares não marcados, comida ruim, banheiros nojentos, tudo meticulosamente preparado para tornar o ato de ver um futebol sofrível numa experiência desagradável e sem dúvida esquecível. Mas será que naquela época, quando eu fazia questão de acompanhar o meu pai ao estádio, as coisas eram diferentes? Não. Era eu que era diferente. E tudo isso contava muito pouco.

Bem, mas voltando ao clássico VIP x PLAYBOY, depois de me paramentar como goleiro, chamei o João para um bate-bola no campo. Ali, só nos dois, ele chutava e eu defendia. Chuviscava um pouquinho e a luz do dia já havia ido embora. Quando o resto do time pisou no gramado, ele ficou lá, junto, batendo bola com a turma, até que chegou a hora do pontapé inicial. Sério, ele me desejou boa sorte e sentou-se no banco na lateral do campo, atento, sempre ajustando os óculos. Logo de cara, uma paulada e lá fui eu me esticando para defender. E depois outra, e mais outra. Era um massacre, mas nos aguentamos bem até que, num contra-ataque, abrimos o placar. Fim de primeiro tempo e lá fui eu saber o que o menino estava achando. "Puxa, pai, até que você joga bem!", me disse, com um imenso sorriso. Não posso negar que adorei ouvir aquilo e voltei ainda mais determinado a não tomar nenhum gol. E assim foi. Mais pancadaria, bola no meu travessão, bate e rebate e nada de ela entrar. Em mais dois contra-ataques, encerramos a peleja em 3 x 0. Vencemos. Saí invicto, inteiro, feliz. No rosto do João, pude ver uma ponta de orgulho. Não posso dizer que não gostei. Da próxima vez, levo o Pedro!

Luiz Rivoiro

Luiz Rivoiro, 42 anos, é pai de João, 8, e de Pedro, 4. Jornalista, trabalhou na "Folha de S.Paulo" por 14 anos. É editor da revista "Playboy" e autor do livro "Pai É Pai - Diário de um Aprendiz". Escreve quinzenalmente para a Folha.com.

 

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