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paul krugman

 

12/12/2011 - 17h14

Depressão e democracia

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Está na hora de começar a chamar a situação atual daquilo que ela é: uma depressão. É verdade que não é um replay completo da Grande Depressão, mas isso não constitui grande consolo. O desemprego continua desastrosamente alto na América e na Europa. Líderes e instituições estão cada vez mais desacreditados. E os valores democráticos estão sendo assediados.

Sobre esse último ponto, não estou sendo alarmista. É importante não cair na armadilha de dizer que "não está tão ruim quanto", na frente política tanto quanto na econômica. Um alto de índice de desemprego não é tudo bem apenas porque ainda não chegou aos níveis de 1933; não devemos fazer pouco caso de tendências políticas tenebrosas apenas porque não há nenhum Hitler à vista.

Falemos em especial sobre o que está acontecendo na Europa - não porque esteja tudo certo na América, mas porque a gravidade dos fatos políticos europeus não vem sendo compreendida por muitos.

Para começar, a crise do euro está acabando com o sonho europeu. A moeda comum, que se supunha fosse unir os países, ao invés disso criou um ambiente de amarga acrimônia.

Especificamente, as exigências de austeridade cada vez maior, sem nenhum esforço para fomentar o crescimento, vêm causando danos duplos. Fracassaram como política econômica, agravando o desemprego sem restaurar a confiança; hoje uma recessão em toda a Europa parece provável, mesmo que seja contida a ameaça imediata de crise financeira. E geraram um sentimento imenso de indignação, com muitos europeus agora furiosos com o que é visto, com ou sem razão (ou, na realidade, com um pouco e sem um pouco de razão), como um exemplo de poder sendo exercido com mão pesada pela Alemanha.

Ninguém que conheça a história da Europa pode olhar esse ressurgimento de hostilidade sem sentir um arrepio. Mas pode haver coisas piores acontecendo.

Populistas de direita estão em ascensão desde a Áustria, onde o Partido da Liberdade (cujo líder antigamente tinha conexões neonazistas) disputa em pé de igualdade com os partidos estabelecidos nas sondagens, até a Finlândia, onde o partido anti-imigrantes dos Verdadeiros Finlandeses teve uma performance eleitoral forte em abril passado. E esses são países ricos, cujas economias vêm resistindo bastante bem. As coisas parecem ainda mais tenebrosas nos países mais pobres da Europa central e do leste.

No mês passado o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento documentou uma queda nítida no apoio público à democracia nos "novos países" da UE, países que ingressaram na União Europeia após a queda do Muro de Berlim. Não chega a surpreender que a perda de fé na democracia venha sendo maior nos países que sofreram as quedas econômicas
maiores.

E, em pelo menos um país, a Hungria, as instituições democráticas estão sendo solapadas neste exato instante.

Um dos principais partidos húngaros, o Jobbik, é um pesadelo saído dos anos 1930: é anticiganos, antissemita e chega a possuir uma ala paramilitar. Mas a ameaça imediata vem do Fidesz, o partido governista de centro-direita.

O Fidesz conquistou uma maioria parlamentar avassaladora no ano passado, pelo menos em parte por motivos econômicos; a Hungria não faz parte da zona do euro, mas sofreu gravemente por ter contraído empréstimos em grande escala em moedas estrangeiras, e também, sejamos francos, devido à corrupção e má gestão por parte dos partidos de esquerda progressista que então estavam no governo. Agora o Fidesz, que na primavera passada fez aprovar uma nova Constituição com votação seguindo as linhas do partido, parece determinado a ganhar controle permanente do poder.

Os detalhes são complexos. Kim Lane Sheppele, que é diretora do programa de Direito e Assuntos Públicos da Universidade Princeton e vem acompanhando de perto a situação na Hungria, me disse que o Fidesz vem recorrendo a medidas sobrepostas para suprimir a oposição. Uma lei eleitoral proposta cria distritos eleitorais manipulados com o intuito de fazer com que seja quase impossível para outros partidos formarem um governo. A independência judicial foi comprometida, e os tribunais foram preenchidos com seguidores do partido. A mídia estatal foi convertida em órgãos do partido, e a mídia independente vem sendo reprimida. E um adendo constitucional proposta teria, na prática, o efeito de criminalizar o principal partido de esquerda.

Visto em conjunto, tudo isso equivale ao restabelecimento de um governo autoritário, sob um verniz finíssimo de democracia, no coração da Europa. E é uma amostra do que pode acontecer em escala muito mais ampla se esta depressão continuar.

Não está claro o que pode ser feito em relação ao descambo autoritário da Hungria. O Departamento de Estado dos EUA tem estado muito consciente do caso, o que só depõe a seu favor, mas trata-se de uma questão essencialmente europeia. A UE deixou passar a chance de evitar a tomada de poder desde o início - em parte porque a nova Constituição foi aprovada às pressas enquanto a Hungria ocupava a Presidência rotativa da União. Será muito mais difícil inverter o deslize agora. Mas os líderes europeus fariam bem em tentar, sob pena de se arriscarem a perder tudo o que representam.

E eles também precisam repensar suas políticas econômicas falhas. Se não o fizerem, haverá mais retrocessos democráticos - e o fracasso do euro pode passar a ser o menor dos problemas da Europa.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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