Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

paul krugman

 

19/03/2012 - 18h42

Viva a reforma da saúde

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Dizem que é possível julgar um homem pela qualidade de seus inimigos. Se o mesmo princípio se aplica à legislação, a Lei da Saúde Acessível - assinada há dois anos, mas que ainda não entrou em vigor, na maior parte de seus dispositivos - ocupa um lugar de honra.

É verdade que a lei - conhecida entre seus adversários como Obamacare e entre os que entendem do assunto como ObamaRomneycare - não é fácil de se gostar, na medida em que representa em grande medida um acordo de meio termo, ditado pela necessidade política percebida de mudar a cobertura existente e apresentar a menor contestação possível aos interesses investidos.

Mas o perfeito é inimigo do bom; a despeito de todas suas imperfeições, esta reforma faria um bem enorme. E um indicativo de quão boa ela é vem da aparente incapacidade daqueles que se opõem a ela de apresentar um argumento honesto contra ela.

Para compreender as mentiras, é preciso primeiro entender a verdade. De que maneira a ObamaRomneycare mudaria o atendimento à saúde nos Estados Unidos?

Para a maioria das pessoas a resposta é "nada". Em especial, aquelas que já recebem boa cobertura de saúde de seus empregadores a conservariam. A lei visa, ao invés disso, ajudar os americanos que ficam de fora, ou sem cobertura médica ou dependentes do mercado de seguros de saúde individuais, "não de grupo", cujo funcionamento é péssimo.

O fato é que o seguro de saúde individual, conforme é constituído hoje, simplesmente não funciona. Se os convênios médicos ficam livres para negar cobertura conforme quiserem - como é o caso na Califórnia, por exemplo --, oferecem convênios baratos a pessoas jovens e saudáveis (e procure exigir cobertura se você adoecer!), mas se negam a cobrir qualquer pessoa que tenha chances de precisar de atendimento de alto custo.

No entanto, simplesmente exigir que os convênios cubram pessoas com problemas de saúde preexistentes, como é o caso em Nova York, tampouco funciona: o custo dos convênios é altíssimo, porque apenas os doentes fazem convênio.

Proposta originalmente por analistas da Fundação de ultradireita Heritage (acredite se quiser!), a solução é feita em três partes, de regulamentação e subsídios. Como em Nova York, os convênios são obrigados a cobrir todo o mundo; em contrapartida, todos são obrigados a contrair convênios, de modo que não apenas doentes, mas também pessoas saudáveis façam parte do pool de risco. E, finalmente, subsídios colocam os convênios obrigatórios ao alcance das famílias de renda mais baixa.

Um sistema desse tipo pode funcionar? Já está funcionando! O Massachusetts legalizou uma reforma muito semelhante há seis anos - isso mesmo, durante o governo de Mitt Romney.

Jonathan Gruber, do Massachusetts Institute of Technology, que exerceu papel chave na criação das reformas local e nacional (e publicou um guia ilustrado sobre a reforma), analisou os resultados - e constatou que o Romneycare está funcionando em grande medida como se pretendia que funcionasse.

O número de pessoas sem convênio médico caiu muito, a qualidade do atendimento não foi prejudicada e o custo do programa vem sendo muito próximo do que foi projetado inicialmente. Mais uma coisa: o custo orçamentário por morador do Massachusetts que aderiu aos convênios foi mais baixo, na realidade, que o custo projetado por americano conveniado segundo a Lei da Saúde Acessível.

Em vista dessas evidências, o que pode fazer um adversário acirrado da reforma? Resposta: inventar coisas.
Todos nós sabemos que a proposta feita pela lei de que o Medicare avaliasse procedimentos médicos para averiguar sua eficácia se tornou, na imaginação febril da direita, um plano maligno para criar comitês da morte. E podem ter certeza de que essa mentira vai voltar à tona com tudo a partir do momento em que a campanha presidencial, propriamente dita, estiver em pleno andamento.

Por enquanto, porém, a maior parte da desinformação envolve alegações sobre custos. Cada novo relatório do Escritório Orçamentário do Congresso é saudado como prova de que o custo real da Obamacare está crescendo sem parar, mesmo quando - como foi o caso do relatório mais recente - o documento afirma em sua primeira página que os custos projetados na realidade tiveram uma ligeira queda.

E não estamos falando em analistas aleatórios fazendo alegações falsas. Estamos falando de pessoas como o presidente do Comitê de Política Republicana da Câmara, que lançou um release completamente fraudulento após o relatório mais recente do escritório orçamentário.

Como, lamentavelmente, a verdade nem sempre prevalece, há uma chance real de que essas mentiras consigam acabar com a reforma da saúde antes de ela começar de fato. E isso seria uma tragédia imensa para a América, porque esta reforma da saúde está chegando justamente em tempo.

Como eu disse, a reforma tem como alvos principalmente os americanos que ficam de fora de nosso sistema atual - uma meta importante, por si só. Mas o que torna a reforma realmente urgente é o fato de que o número de pessoas que ficam de fora vem crescendo rapidamente, já que cada vez menos empregos vêm acompanhados de seguro-saúde. A cobertura de saúde garantida por empregadores caiu de fato mesmo durante o "boom de Bush" de 2003 a 2007 e, desde então, caiu ainda mais.

O que isso quer dizer é que a Lei da Saúde Acessível é a única coisa que nos protege de um aumento iminente no número de americanos que não conseguem pagar por atendimento médico essencial. Portanto, é bom que esta reforma sobreviva. Se isso não acontecer, muitos americanos que precisam de atendimento de saúde tampouco sobreviverão.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página