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paul krugman

 

18/06/2012 - 15h29

A Grécia como vítima

Desde que a Grécia mergulhou num declínio acelerado, estamos ouvindo muitos comentários sobre o que está errado com tudo o diz respeito ao país. Algumas das acusações são verdadeiras, algumas são falsas --mas nenhuma delas vem ao caso. Sim, a economia e a política gregas têm grandes falhas, e a sociedade grega também, sem dúvida. Mas não foram essas falhas que provocaram a crise que está dilacerando o país e que ameaça se espalhar pela Europa.

Não --as origens desse desastre estão mais ao norte, em Bruxelas, Frankfurt e Berlim, onde autoridades criaram um sistema monetário profundamente (ou mesmo fatalmente) falho e então agravaram os problemas dele ao substituírem análises por sermões morais. E a solução da crise, se houver alguma, terá que vir desses mesmos lugares.

Falemos dessas falhas gregas, então. É fato que a Grécia tem muita corrupção e muita sonegação de impostos e que o governo grego vem tendo o hábito de gastar mais do que recebe.

Além disso, a produtividade da mão-de-obra grega é baixa pelos padrões europeus --cerca de 25% abaixo da média da União Europeia. Vale notar, entretanto, que a produtividade da mão-de-obra no Mississippi, por exemplo, também é baixa pelos padrões dos Estados Unidos, e mais ou menos no mesmo percentual.

Por outro lado, muitas coisas que ouvimos ser ditas sobre a Grécia simplesmente não são verdade. Os gregos não são preguiçosos --pelo contrário, sua semana de trabalho é maior que praticamente qualquer outro lugar da Europa e muito mais longa que a dos alemães, em especial. E a Grécia não tem um Estado de bem-estar social perdulário, como os conservadores gostam de afirmar: os gastos sociais, como porcentagem do PIB (a medida padrão para avaliar as dimensões do Estado de bem-estar social) são substancialmente menores na Grécia que, por exemplo, na Suécia ou Alemanha, países que até agora vêm resistindo bastante bem à crise europeia.

Então como a Grécia se envolveu em tantos problemas? O culpado é o euro.

Quinze anos atrás, a Grécia não era nenhum paraíso, mas tampouco estava em crise. O desemprego era alto, mas não catastrófico, e o país mais ou menos se pagava nos mercados mundiais, ganhando o suficiente com exportações, turismo, transportes marítimos e outras fontes para mais ou menos pagar por suas importações.

Então a Grécia aderiu ao euro, e uma coisa terrível aconteceu: as pessoas começaram a acreditar que era um lugar seguro para investimentos. O país começou a receber uma enxurrada de dinheiro estrangeiro, parte do qual, embora não tudo, financiou déficits governamentais; a economia cresceu, a inflação subiu, e a Grécia tornou-se cada vez menos competitiva. É verdade que os gregos desperdiçaram boa parte do dinheiro que entrou, se não a maior parte, mas o fato é que todos os que se envolveram na bolha do euro fizeram a mesma coisa.

E então a bolha estourou, e nesse momento as falhas fundamentais de todo o sistema do euro se evidenciaram muito claramente.

Pergunte a si mesmo: por que é que a área do dólar --também conhecida como os Estados Unidos da América-- mais ou menos funciona, sem apresentar o tipo de crise regional grave que aflige a Europa neste momento? A resposta é que temos um governo central forte, e as atividades desse governo na prática garantem socorros automáticos aos Estados que enfrentam problemas.

Consideremos, por exemplo, o que estaria acontecendo com a Flórida neste momento, depois da enorme bolha imobiliária nesse Estado, se ela de repente tivesse que encontrar em sua receita inesperadamente reduzida os recursos para pagar a Seguridade Social e o Medicare. Felizmente para a Flórida, é Washington, e não Tallahassee, quem paga as contas, o que significa que, concretamente, a Flórida está recebendo um resgate em escala com a qual nenhum país europeu poderia sonhar.

Ou consideremos um exemplo mais antigo, a crise das associações de empréstimo e poupança dos anos 1980, que foi em grande medida um assunto do Texas. Os contribuintes acabaram por pagar um valor enorme para resolver o problema --mas a imensa maioria dos contribuintes que pagou era de Estados outros, que não o Texas. Foi mais um caso em que o Estado recebeu um resgate automático de escala inconcebível na Europa moderna.

Portanto, a Grécia, embora não seja isenta de erros, está tendo problemas principalmente em função da arrogância de autoridades europeias, em sua maioria de países mais ricos, que se convenceram de que poderiam fazer uma moeda única funcionar sem um governo único. E essas mesmas autoridades agravaram a situação ainda mais ao insistir, contrariando todas as provas, que todos os problemas da moeda foram suscitados por comportamentos irresponsáveis por parte dos europeus do sul e que tudo seria resolvido se as pessoas se dispusessem a sofrer um pouco mais.

Isso, por sua vez, nos conduz à eleição grega do domingo, que acabou por não solucionar nada. A coalizão governante pode ter conseguido permanecer no poder, embora nem mesmo isso esteja claro (o parceiro júnior na coalizão está ameaçando abandoná-la). Mas os gregos não vão conseguir resolver esta crise, de qualquer maneira.

A única maneira em que o euro poderia ser salvo --talvez-- seria se os alemães e o Banco Central Europeu entendessem que são eles que precisam mudar seu comportamento, gastando mais e, sim, aceitando uma inflação mais alta. Se não --bem, basicamente, os gregos ficarão para a história como vítimas da arrogância de outros.

Tradução de Clara Allain

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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