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paul krugman

 

29/04/2011 - 10h23

O Fed intimidado

No mês passado, o número de norte-americanos desempregados era de mais de 14 milhões, de acordo com a definição oficial -ou seja, pessoas que estão procurando emprego sem encontrar. Outros milhões de trabalhadores estão limitados a trabalhar em tempo parcial porque não conseguem encontrar empregos de período integral. E não estamos falando de dificuldades temporárias. O desemprego em longo prazo, que no passado era raro nos Estados Unidos, se tornou bastante comum: mais de quatro milhões de norte-americanos estão desempregados há um ano ou mais.

Dado esse quadro desanimador, seria de imaginar que o desemprego, e o que fazer quanto a isso, fosse parte importante da entrevista coletiva de Ben Bernanke, o chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), na quarta feira. E o tema de fato deveria ter merecido destaque. Mas não foi o que aconteceu.

Depois da coletiva, a agência de notícias Reuters criou uma "nuvem de palavras" baseada nas declarações de Bernanke, uma representação visual da frequência com que ele utilizou diferentes termos. A palavra que domina essa representação é "inflação". "Desemprego", em letras muito menores, aparece apenas ao fundo.

Essa ênfase deslocada não é inteiramente culpa de Bernanke, já que ele estava respondendo a perguntas -e essas perguntas se concentravam mais na inflação que no desemprego. No entanto, esse foco de atenção era, em si, um sintoma de até que ponto Washington perdeu o interesse pelos problemas dos desempregados. E o Fed sob a gestão de Bernanke, que deveria assumir posição firme contra essa distorção de prioridades, está em lugar disso se curvando às pressões para que siga o rebanho.

Alguns dados de referência: o Fed normalmente tem como responsabilidade primária gerir a economia em curto prazo, utilizando sua influência sobre as taxas de juros a fim de desacelerar a economia quanto está superaquecida ou acelerá-la quando está parada, o que gera desemprego elevado. E o Fed indicou de modo mais ou menos explícito o que vê como quadro ideal de temperatura: inflação anual de 2% ou um pouco menos, desemprego de 5% ou um pouco mais.

Mas esse é um cenário que não teremos de volta em curto prazo. As mais recentes projeções do Fed, divulgadas durante a coletiva, mostram que teremos inflação baixa e desemprego elevado pelo futuro previsível.

É verdade que o Fed antecipa que a inflação deste ano fique um pouco acima da meta, Mas Bernanke afirmou (e eu concordo) que estamos diante de uma alta temporária relacionada à disparada nos preços das matérias-primas; os indicadores de inflação subjacente ficam bem abaixo da meta, e as projeções indicam queda acentuada da inflação no ano que vem, e que ela deve se manter baixa pelo menos até 2013.

Enquanto isso, como já mencionei, o desemprego -ainda que tenha caído ante seu pico em 2009- continua devastadoramente alto. E o Fed prevê que a melhora seja lenta, com desemprego ainda nas alturas dos 7% no final de 2013.

Tudo isso parece claramente indicar a necessidade de ação. Mas Bernanke indicou que já fez tudo que pretende fazer a respeito. Por quê?

Ele poderia ter argumentado que a instituição que dirige não tem capacidade de fazer mais, e que ele e seus colegas na cúpula do banco central já não exercem tamanha influência sobre a economia. Mas não o fez. Pelo contrário: argumentou que a recente política de aquisição de títulos de dívida de longo prazo pelo Fed, conhecida como "relaxamento quantitativo", havia sido efetiva. Por que não fazer mais, se esse é o caso?

A resposta de Bernanke a isso foi profundamente desanimadora. Ele declarou que expansão adicional desse tipo de medida poderia resultar em alta na inflação.

O que é preciso ter em mente quanto a isso é que as projeções do Fed mesmas afirmam que a inflação deve ficar abaixo da meta pelos próximos anos, e que portanto uma alta na inflação seria até positiva, e não serve como motivo para desconsiderar quaisquer medidas de combate ao desemprego. É claro que as projeções em questão podem ser incorretas, mas podem ser incorretas nas duas direções.

A única maneira de compreender a aversão de Bernanke a novas medidas seria dizer que ele morre de medo de estourar a meta inflacionária mas tem muito menos medo de ficar abaixo dela -ainda que a falta de ações concretas possa condenar milhões de norte-americanos ao pesadelo do desemprego em longo prazo.

O que está acontecendo, portanto? Minha interpretação é a de que Bernanke está cedendo à pressão da paranoia inflacionista, das pessoas que apostam o tempo todo que estamos a um passo de uma onda de inflação descontrolada sem jamais considerar que a realidade prova que estão erradas a cada dia.

Nas últimas semanas, os inflacionistas tomaram os preços do petróleo em alta como prova de seus argumentos -ainda que, como Bernanke mesmo disse, esses preços em nada sejam influenciados pela política do Fed. A influência dos preços do petróleo sobre o debate levou o economista Tim Duy a sugerir, sarcasticamente, que as políticas do Fed hoje nada têm a ver com o desemprego "porque alguns povos do Oriente Médio estão em busca da democracia".

Mas eu definiria a questão de maneira diferente. Na minha interpretação, a política do Fed é fazer nada quanto ao desemprego porque o deputado republicano Ron Paul se tornou presidente do subcomitê de política monetária da Câmara dos Deputados.

Ou seja, a independência do Fed já era. E o mesmo vale para o futuro dos cada vez mais aflitos desempregados dos Estados Unidos.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

paul krugman

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

 

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