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ricardo semler

 

08/08/2011 - 07h02

O triste fim de Abilio Santos

Saudações, confrades digitais. Relutei muito em iniciar uma fase de escrita nesta ágora palpiteira e caótica. Menos pelo receio de me aventurar em órbitas desconhecidas, e mais por que não via papel singular para mim neste barulhento vácuo sideral. Comentar política ou economia, falar mal do governo e ser uma metralhadora giratória tal qual um terrorista numa praça repleta de inocentes não me seduz.

Hoje, acredito ter encontrado uma veia que valha a nossa relação: concentrar-me naquela esfera restrita onde tenho alguma autorização para comentários. E terá que ser o lugar onde me detive por anos a fio, e onde se concentram minhas inquietações, dúvidas e certezas.

Trata-se da intersecção entre dinheiro e felicidade. Aquela rotatória de ilusões. Aquele território onde os sucedâneos do sucesso e os fantasmas do passado se cruzam. Onde todos param, em algum momento, confusos pela sinalização, para perguntarem o caminho. Onde, de acordo com o poeta espanhol Antonio Machado 'no hay camino, el camino se hace caminando'.

Não que eu me sinta perdido, mesmo sem ter respostas acabadas. Nas aulas para MBA's nos EUA sempre me detive na pergunta do que eles fariam quando chegassem à crise de meia idade. Ensinar liderança (meu departamento lá) era um tanto metafísico, e a universidade se esmerava em dar respostas técnicas. Mas as demandas seriam, com o tempo, necessariamente íntimas, psicológicas, emocionais. Nunca algo que constasse em manuais de administração.

Sair das melhores faculdades, ganhar um belo salário, casar sem tempo para o/a cônjuge, ver pouco os filhos, labutar com política interna ou gênios financeiros que mandam no vil metal --tudo isto não poderia ser receita de sucesso.

Como contei num livro certa vez, quando era sócio no Brasil do David Rockefeller, ele me convidou para ministrar um pequeno workshop aos cem maiores correntistas do banco dele, o Chase Manhattan. O assunto era a equação de dinheiro versus felicidade, e a motivação de bilionários.

Pedi a cada um deles que escrevesse num papelote que cifra tinha colocado com objetivo na vida. Em seguida, solicitei que os que ainda não haviam atingido o seu número ideal se identificassem: apenas dois o fizeram.

- Resolvido, eu disse. Vocês dois ficam, o resto está dispensado, pode voltar para casa. Riram bastante, mas acusaram o golpe.

- O que vocês estão fazendo, voltando ao escritório a cada manhã, indaguei. Já não atingiram seus objetivos na vida? Não haveria outros alvos, quase todos eles em casa, no âmbito do amor, família, paz ou compreensão do ato de existir que, estes sim, demandam atenção?

Estiquei o assunto perguntando quantos deles sentiam a necessidade de devolver algo à sociedade. Quase todos levantaram a mão.

Então, prossegui, devem ter providenciado alas de hospitais, asilos de idosos e ONG's contra a fome na Somália. Sim, sim, sim, bradavam com suas mãozinhas repletas de anéis milionários.

Então, se o fizeram para o alívio de consciência (que já não é boa razão), certamente não foi apenas por vaidade. Pergunto, então, quantos aqui me indicariam uma ala de hospital anônima que construíram, uma ONG que não os homenageie, um asilo que não tenha o seu sobrenome? Ninguém, absolutamente ninguém, ergueu a mão.

Seria, na verdade, mais barato comprar horas de um terapeuta do que doar uma ala nova ao hospital --descobririam assim se têm real valor.

Na maioria das vezes, a armadilha que inclui dinheiro, poder e sucesso --esta trindade que tanto se esquiva das pessoas equilibradas-- condena aqueles que estão no ápice do poder à derrota final.

Pegue-se o caso do Silvio Santos, do Abilio Diniz e do Rupert Murdoch. O que eles têm em comum, além de serem 'self-made billionaires' que não ouvem a ninguém? Ora, o fato de que deveriam ter se aposentado no ano passado.

Se cada um deles tivesse pego o boné e partido rumo ao sítio, terminaria uma longa e talentosa carreira no auge. Alguns tenebrosos meses mais tarde, estão aí, contaminados pela infindável sede de poder e vaidade, fadados a terminarem os seus dias com manchas irremovíveis nas suas vestes públicas.

Para que? Mais dinheiro? Qualquer dos três teria o suficiente para viver mais 25 vidas, andando de jato particular. A ganância, ou a escravidão da imagem externa, acompanhadas de distorção das questões éticas fez com que os três perdessem a clareza.

Agora, passam pelo corredor polonês da vergonha que a sociedade impõe a quem não consegue manter a aparência de sucesso.

Há, claro, incontáveis malandros bilionários que ainda surfam nas ondas dos orgasmos de vaidade que a subalterna mídia e o deslumbrado público patrocinam.

À primeira vista, todos querem ser o Clinton, mas manteriam a braguilha fechada, seriam o Gates sem a acusação de monopólio. Seriam o Berlusconi sem as festinhas e o bilionário do jet set sem vaidades que o traísse. Não abririam, jamais, a sua casa para a "Caras".

Mas não é assim que a humanidade caminha.

Tentar entender estas contradições, explorar as profundezas destas áreas recônditas do arsenal metálico da moeda é a empreitada a que me proponho neste espaço.

Não é a todos que interessa --muito menos convence-- mas é uma jornada que me motiva. Para os que tiverem um tempinho, uma segunda-feira sim, outra não, convido a esta pequena reflexão da porção metálica de nossa alma. Por ora...clinc!

ricardo semler

Ricardo Semler, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Escreveu dois livros que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve às segundas-feiras, a cada duas semanas.

 

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