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ricardo semler

 

22/08/2011 - 07h00

Procuram-se generalas

Lembro bem da criação da Semco Mulher, vinte anos atrás. Pretendia criar um espaço para que as mulheres --se quisessem-- mudassem seu status dentro da empresa.
Mas teria que partir delas, porque nós, homens, tínhamos direitos confortáveis demais para ajudarmos.

Daquela situação, repleta de secretárias e assistentes, tudo mudou. Reuniões constantes, reivindicações de assento no conselho, planos de carreira, equiparação salarial e até um motim quando o presidente do sindicato as ofendeu se seguiram. Em dez anos, algumas das principais funções, inclusive de presidente de empresas do grupo eram exercidas por mulheres.

Entretanto, depois daquela década --como no Primeiro Mundo-- estagnou a curva de ascensão das mulheres. Por quê? Acho que tem uma questão de dinheiro versus felicidade.

Participei de um painel, há 20 anos, na FGV, para 400 mulheres. Quando ouvi de uma das painelistas que ela se orgulhava de colocar a empresa à frente de tudo --e que naquele dia havia deixado de atender à filha que estava com febre-- percebi que a coisa estava mal andada.

Lá estavam elas, quase todas de tailleur, que vem a ser o terno feminino, que vem do uniforme militar, aprendendo a ser mais duras, objetivas e combativas. E isso era o oposto do que o mundo do trabalho precisava. Quando falei isso, metade se levantou e saiu.

Dilma está batalhando a questão da nomenclatura masculinizada. As senadoras não têm mais que fazê-lo. As generalas sim. A única generala de quatro estrelas americana cuida de compras.

A Noruega instituiu a cota de mulheres no conselho de empresas. A comunidade europeia e vários países estão adotando o sistema, fixando a cota em 40%.

Como as gerentes são apenas 13%, isto significa usar a mesma fórmula de propulsão que foi usada em relação a negros, de discriminação positiva. Espera-se empurrar as mulheres pirâmide acima.

Os apoiadores da ideia (me incluo aí) acreditam numa contaminação positiva por influxo de valores mais subjetivos e com mais inteligência emocional.

Na Deutsche Telekom, decidiram que 30% dos cargos altos seriam reservados a mulheres. Anos depois, nada. Diz Anne Wenders, da empresa: "Tentamos mentoring, coaching e networking, mas nada funcionou". Estão encafifados.

Jung fala do princípio fálico versus o princípio feminino. O exército, a religião e a empresa são fálicas. Agressividade, dominação e capacidade de criar couraça externa são fundamentos de sucesso nestas organizações.

Mesmo o trabalho à distância e compartilhamento de empregos, obviedades que introduzimos na nossa empresa há 20 anos para lidarem com a questão da maternidade, não resolveram.

É curioso o contrário: criamos há 30 anos a licença-paternidade estendida, que dava duas semanas remuneradas ao pai --ninguem usou. À primeira engasgada do recém-nascido --que fica roxo em seguida--, o pai volta correndo para o escritório e não sai mais.

Medir inteligência pelo QI, outra invenção do Exército, dá valor ao raciocínio lógico-matemático. As mulheres, mesmo que se deem igualmente bem nestes testes, têm biologicamente uma inteligência emocional, que dirá afetiva, muito superior. E esta não se mede. Mas ela se faz presente na hora em que a mulher toma uma decisão de carreira. Forçada a escolher entre carreira e qualidade de vida, ela escolhe a vida. Ter dois celulares, um iPad e um notebook na bolsa, dar ordens em reuniões à noitinha, atender gerentes no sábado, viajar para longe comendo sandubas com refrigerante nos aeroportos, sabendo dos filhos à distância, não é carreira, é sandice. Sem contar que a jornada dupla significa que passam 4,7 vezes mais tempo com trabalhos domésticos do que os homens.

Elas sabem quão rápido os filhos crescem, entendem quão raro é o amor, percebem quanto um tempo livre é valioso. E optam por deixar aquela briga de cargos para outros.
Estou aqui fazendo uma caricatura do princípio feminino de Jung, claro.

Mas a tese é límpida: nas encruzilhadas da carreira, quando a mulher é obrigada a escolher entre viver de fato ou ganhar mais dinheiro, poder e sucesso (o que ando chamando de Trindade Ilusória), ela opta, na maioria das vezes, pela vida emocionalmente inteligente. Até que a empresa mude de perfil.

Essa escolha é depois jogada na cara dela como incapacidade, falta de coragem ou de modernidade. Oras bolotas, quanta bobagem.

A solução, então, é deixar as guerras e o mercado para os homens? Claro que não. Por isso sou a favor das cotas nos conselhos. Com o tempo, forçará a empresa a se modernizar, trazendo sem constrangimento questões intuitivas, subjetivas e, por que não, femininas ao comando das organizações. Ninguém sério discute que as mulheres têm a mesma competência decisória, mas para isto, sozinho, já tem homem demais disponível.

A solução é deixar com que as mulheres retirem a agressividade excessiva que nos leva a guerras tolas, fusões insanas e colapsos de bolsa --quase sempre motivados por impulsos psicológicos doentios e vaidade mal administrada.

Claro, não são as mulheres as detentoras únicas destas qualidades, nem garantia de equilíbrio. E eu, como Freud, irei para o túmulo perguntando o que é que as mulheres querem.

Mas há que se aceitar que não é só discriminação que explica as mulheres não subirem tanto na carreira. Em grande parte, é porque não são trouxas de fazê-lo. Aceitando esta hipótese, estaremos prontos para cotas e com os ouvidos necessariamente abertos a novos métodos e formatos. Rumemos para um mundo que tenha menos metas, agressividade e stress. Aliás, chega por hoje, estressei. Vou colocar uns pepinos nos olhos.

ricardo semler

Ricardo Semler, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Escreveu dois livros que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve às segundas-feiras, a cada duas semanas.

 

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