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rita siza

 

15/02/2013 - 15h59

Não sabemos se Óscar Pistorius é Dr. Jekyll ou Mr. Hyde

DO PORTO

Que história, esta, do atleta paraolímpico sul-africano Oscar Pistorius ter atirado quatro vezes na namorada durante a madrugada do dia de São Valentim. Em tribunal, a acusação prometeu buscar uma condenação por "homicídio premeditado", enquanto um destroçado Pistorius, lavado em lágrimas, jurava ser inocente - "Disputamos estas alegações da forma mais veemente possível", explicou a sua família, em comunicado, já no final da sessão.

O velocista paraolímpico, que fez história ao tornar-se o primeiro atleta portador de deficiência física a conseguir competir nos Jogos Olímpicos, em Londres, é um herói nacional da África do Sul. A sua história de vida, conhecida de todos, é uma inspiração; a sua carreira é um exemplo de competência, determinação e triunfo sobre a adversidade.

A tragédia que o envolve, e à malograda namorada Reeva Steenkamp, gerou um frenesim mediático de dimensão planetária. Como acontece com a maioria dos heróis, dificilmente saberemos o que é real e o que é lenda. A imagem que guardávamos de um homem invencível e infatigável, comprometido com a verdade e a justiça esportiva; um "perfeito cavalheiro", afável, acessível e prestável, deu agora lugar ao retrato de um "playboy" egocêntrico e instável, viciado no luxo, vidrado em armas e todo o tipo de coisas velozes, arriscadas e perigosas.

A imprensa lembrou o acidente em que desfez uma lancha rápida (escapou com o maxilar, o nariz e várias costelas partidas, e sem fazer teste de alcoolemia, apesar dos vestígios de bebida a bordo), ou a acusação por agressão apresentada há quatro anos por uma jovem de 19 anos: a queixa acabou por ser retirada, sinal para muitos de que se tratara de uma invenção.

Do caso em tribunal, sabe-se muito pouco: a polícia foi chamada pelos vizinhos que denunciaram uma discussão noturna que lhes parecia violência doméstica; à chegada depararam-se com uma equipa de paramédicos a tentar reanimar uma mulher baleada na cabeça, peito e braços, que foi declarada morta no local, onde encontraram uma arma de 9 milímetros. A promissora modelo de 29 anos, e Óscar Pistorius, eram os únicos em casa. Nenhum sinal de arrombamento foi encontrado, nem detectada a passagem de mais ninguém pelo lugar.

Nenhuma explicação foi por enquanto avançada para os acontecimentos. Simplesmente não sabemos ao certo o que se passou. O que não impediu milhões de pessoas de fazer o seu juízo: Pistorius é uma vítima de um mal-entendido ou um assassino de sangue frio. Dr. Jekyll ou Mr. Hyde, as duas teses convivem agora nas conversas de café e nas caixas de comentários, alimentadas pelos seus apoiantes e detratores, ou apenas aqueles que ainda estão confusos e sem saber o que pensar.

Se Pistorius confundiu a namorada com um assaltante, o seu "trágico acidente" não é inédito. O sentimento de insegurança e a loucura com a defesa pessoal levou o jogador de rúgbi Rudi Visagie, a matar a tiro a filha de 19 anos, quando a confundiu com um ladrão que tentava fugir no seu carro. Mas também não seria o primeiro homem a cometer uma loucura, um crime de paixão, deliberado ou espontâneo. Ouvi um apoiante do atleta a dizer na BBC, "mesmo que seja verdade, acho que não vou ser capaz de acreditar nisso".

Já várias vezes escrevi aqui como gostamos de projetar os nossos ídolos esportivos (ou outros) para uma dimensão livre de mácula, de defeitos, das imperfeições próprias da natureza humana. Como se os seus feitos extraordinários os pudessem, de certa maneira, redimir das questiúnculas e banalidades terrenas. É essa, aliás, a premissa mágica da olimpíada: uma congregação de super-heróis com pretensões a ascender ao patamar divino. Os atletas são, nestes tempos modernos, os nossos semideuses - e ultimamente andamos de coração partido, ao confrontarmo-nos, com uma sucessão de casos que, um atrás do outro, revelam tão esplendorosamente as suas falhas.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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