Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

sérgio malbergier

 

11/05/2009 - 02h53

O que não sabemos que não sabemos

Frase antológica outro dia do ministro da Justiça, Tarso Genro, lembrou outra frase, brilhante, de Donald Rumsfeld, o ex-secretário da Defesa de George W. Bush.

Primeiro, a frase de Rummy, falando sobre os perigos da ameaça terrorista contra os EUA: "Há coisas que sabemos que sabemos. E há desconhecidos conhecidos. Quer dizer, há coisas que sabemos que não sabemos. Mas há ainda desconhecidos desconhecidos. Há coisas que não sabemos que não sabemos."

O maior perigo estará sempre nos "desconhecidos desconhecidos", de onde surgem coisas como os aviões do 11 de Setembro se chocando contra as torres de Nova York.

Aí voltamos ao Genro: "É sabido que determinadas empresas colocam um adicional de preços nas licitações porque depois vão ter que financiar campanhas, seja legalmente, seja pelo caixa dois", disse ele ao defender a sempre farsesca reforma política brasileira.

Então agora sabemos que o ministro da Justiça sabe que empresas "colocam um adicional de preços" nas obras públicas para financiar o caixa dois dos políticos. E o que ele faz com esse conhecimento? Defende a reforma política.

E há ainda os temíveis "desconhecidos desconhecidos".

Se políticos (e empresários) já podem praticar tão abertamente crimes graves previstos em lei como superfaturamento de obras públicas e formação de quadrilha, o que estarão fazendo de fato às escondidas? O que desconhecemos que desconhecemos sobre a prática política brasileira?

A corrupção sempre existiu no Brasil, é tão parte de nossa tradição quanto os gols de Ronaldo. O corrupto da esfera pública tem seu comparsa na privada. Escroques superfaturadores de obras sempre foram muito bem recebidos nos melhores salões do país.

Mas a adesão do PT ao grande governo disseminou ainda mais essas práticas só pela simples adesão. São os dois grandes consensos criados por Lula: o primeiro, seminal e transformador, é o econômico. Sua aceitação das regras básicas da economia de mercado já nos permitiu acumular inéditos 15 anos de estabilidade, destravando nossa potência produtiva e atraindo mais capitais e melhores práticas. Resultado: em plena crise global, estamos entre os mais fortes (ou menos frágeis).

O segundo consenso fechado por Lula, porém, o político, é destruidor e limitador de nosso potencial como nação. Ao aceitar, como seus predecessores, a falsa necessidade de criar maiorias nacionais e parlamentares forjadas na corrupção e no assalto ao patrimônio público como garantia da governabilidade, Lula transferiu a máfias (organizadas em partidos, repartições e empresas) parte de sua capacidade administrativa.

As obras públicas estruturais demoram, não saem do papel ou custam mais do que valem. O Legislativo não cria leis nem projetos que estimulem essa nascente potência econômica e se afunda em desvios graves de conduta, para dizer o mínimo. O Judiciário parece tão contaminado por ineficiência e corrupção quanto os outros Poderes.

O fio da meada puxado pela cascata de escândalos no Congresso não tem fim. A Casa é o marco zero de nossa devassidão moral, de uma ética emotiva que permite qualquer coisa a parentes, a amigos e a compadres. A ideia de que esses políticos farão a reforma política para acabar com a forma lucrativa com que fazem política é uma farsa. A revolução não será televisionada pela TV Senado.

Que o combate à corrupção sequer apareça na agenda dos grandes partidos brasileiros é o atestado de óbito da política como a conhecemos. Pois o avanço do Brasil em tantas outras áreas algum dia forçará um choque com essa política arcaica que nos aprisiona.

Sabemos que ainda não sabemos como isso se dará. Resta torcer e agir para que, até lá, o que não sabemos que não sabemos não inviabilize o futuro.

sérgio malbergier

Sérgio Malbergier é consultor de comunicação. Foi editor dos cadernos 'Dinheiro' (2004-2010) e 'Mundo' (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, 'A Árvore' (1986) e 'Carô no Inferno' (1987). Escreve às quintas.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página