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suzana herculano-houzel
Para não dormir ao volante
Resolvi ir a um evento em São Paulo de carro, para poder levar junto toda a família.
Que bom que meu pai, o "babysitter" da vez, também é um ótimo e paciente motorista, porque o que deveria ter sido uma viagem de umas cinco horas, ainda razoáveis de serem conduzidas por um só motorista, tornou-se uma jornada de longas sete horas na ida e inacreditáveis nove horas na volta.
Tudo porque a estrada entre as duas maiores cidades brasileiras não tem um plano de contingência decente em caso de acidentes.
O problema maior, contudo, nem é ficar parado ou se arrastando pela estrada (sob protestos das crianças, declarados por voz ou mensagens de texto enviadas do banco de trás). Quanto mais longo o período de atenção sustentada na estrada, maior é a fadiga das regiões cerebrais envolvidas e menor a capacidade de continuar acordado --e ainda menos, atento.
Ocorre que o sono é autorregulado e uma de suas funções é justamente a de permitir ao cérebro se recuperar de longos períodos de atenção sustentada.
A sonolência ao volante é apenas a resposta natural do cérebro a um longo período de vigília extremamente alerta aos detalhes do trânsito.
E o sono é implacável. Anos atrás, um estudo em um simulador de trânsito mostrou que, após horas na "estrada", motoristas que ainda se diziam "bem e acordados" já apresentavam o cérebro invadido pelas ondas delta do sono. Ou seja: estavam começando a dormir de olhos abertos. Assustador.
Como diminuir as chances de adormecer ao volante, então? Ter para quem passar a direção é ótimo, mas, na ausência de um motorista substituto, há um grande truque, excelente amigo do motorista: a fome.
São vários os sistemas no cérebro que controlam o sono, mas todos eles têm seus sinais integrados por um pequeno grupo de neurônios orexinérgicos, que também recebem informação sobre o estado metabólico do corpo.
Quando, de madrugada, você acorda com fome e não consegue adormecer de novo enquanto não assaltar a geladeira, é por causa desses neurônios exercendo uma de suas funções: mantê-lo acordado para encontrar comida.
Assim que a comida chega, esses neurônios relaxam e permitem aos sistemas que regulam o sono nos fazer adormecer, se esse for o caso.
Portanto, antes de encarar a estrada, nada de comer bem. Melhor deixar seu cérebro faminto, ansioso por chegar ao destino para só então poder comer... e dormir em segurança.
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada 15 dias.
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