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suzana singer

 

23/12/2012 - 03h00

Jogo dos sete erros

Muitas coisas saem erradas na confecção de um jornal diário, o que é um verdadeiro pesadelo para os perfeccionistas. Normalmente, os erros se espalham pelas páginas e mal são percebidos pelos leitores.

Quando acontece, porém, de "tudo o que podia dar errado" se concentrar em uma notícia, ficam evidentes alguns problemas no processo de produção do jornal.

Foi o que houve na última edição de outubro, no texto "Estradas ruins custam a empresas 13% da receita", que ocupou meia página de "Mercado" (http://goo.gl/3kEA3).

O número extravagante chamou a atenção de Francisco Gomes, 48, professor de matemática da Unicamp. Ele percebeu que 13% corresponde a todo o custo logístico, composto de transporte, combustível, armazenagem, taxas aeroportuárias -não aos gastos decorrentes de problemas nas rodovias.

"Ninguém discorda de que é necessário melhorar a malha rodoviária, responsável não só pelo aumento do custo logístico mas também por acidentes. Entretanto, não é justo usar números errados nessa gloriosa campanha", disse o leitor.

A resposta da Redação foi impávida. Reiterou as informações publicadas e sublinhou que a fonte do cálculo é a Fundação Dom Cabral, descrita na reportagem como "a maior escola de negócios do país".

Se o título estivesse correto, as empresas brasileiras estariam com problemas seríssimos, porque perderiam mais de 10% das suas receitas por causa de buracos e acostamentos mal sinalizados.

Em contato com o autor da pesquisa, ele não apenas deu razão ao leitor como assinalou outros seis erros na reportagem de apenas 15 parágrafos. Confundiu-se transporte rodoviário com transporte de longa distância, atribuiu-se à Fundação Dom Cabral um número que não foi obtido por ela etc.

Os problemas, porém, não se resumiram às incorreções. A reportagem foi escrita com base em apenas uma fonte. Se o jornal tivesse procurado outro especialista em logística, poderia ter levantado dúvidas sobre o estudo. "A pesquisa é bem elaborada, mas a comparação dos custos logísticos entre o Brasil e outros países é complicada", observa Sérgio Rodrigues Bio, 67, professor da FEA-USP.

O texto deveria ter dito também que a pesquisa foi feita pelo Núcleo CCR de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. A CCR é uma das maiores concessionária de rodovias do país. Embora isso não signifique que se trate de um estudo enviesado, é sempre útil informar quem financia os pesquisadores.

É possível tirar algumas lições do pequeno descalabro publicado:

1) Ao mexer com números, não se esqueça do bom-senso;

2) Releia tudo. Dois dos sete erros teriam sido evitados se um redator tivesse percebido que dados do gráfico não coincidiam com o texto;

3) Apure mais. Não escreva com base em apenas uma fonte;

4) Sempre que possível, deixe claro quem paga a pesquisa;

E, por último, mas não menos importante:

5) Não despreze as observações dos leitores.

ESTRAGA-PRAZERES

A edição de segunda-feira passada deveria ser daquelas que os corintianos teriam vontade de guardar até o papel amarelar. Só que a Folha colocou como foto principal uma do jogador Guerrero com uma enorme bandeira do Peru, sua pátria.

Foi dele o único gol da partida, mas soa como provocação destacar que o Corinthians venceu graças a um estrangeiro. A imagem principal de um evento deve traduzir o seu cerne. "A Folha apostou no anticlímax. Quem não acompanha futebol nem deve ter entendido de que se tratava: um sujeito desconhecido empunhando a bandeira de outro país. Havia um monte de opções mais representativas da vitória", observou corretamente Mário Schapiro, 35, corintiano e professor da FGV.

Outra crítica à foto veio de um torcedor do Juventude, morador de Caxias do Sul (RS). "Em vez de destacar o trabalho coletivo do time, o jornal focou um jogador, justamente o de outro país. Para um brasileiro, doeu", disse Helvécio Michielin, 62, porteiro de hotel, que lê o jornal regularmente, mas sempre com dois dias de atraso.

A bonita imagem ao lado ficaria bem editada em uma das páginas do caderno "Esporte".

Ricardo Nogueira/Folhapress
Foto do peruano Guerrero comemorando conquista do campeonato, publicada no alto da "Primeira Página"
Foto do peruano Guerrero comemorando conquista do campeonato, publicada no alto da "Primeira Página"
suzana singer

Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de 'Cotidiano'. Escreve aos domingos na versão impressa. E-mail: ombudsman@uol.com.br

 

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