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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

15/05/2012 - 07h03

O desafio da oposição

Se a última eleição presidencial sinalizou uma crise da oposição ao kirchnerismo na Argentina, o episódio da estatização da petrolífera YPF decretou oficialmente sua agonia pública.

Com o socialista Hermes Binner, o radical Ricardo Alfonsín e o peronista dissidente Eduardo Duhalde derrotados numa verdadeira lavada, em outubro, os opositores da presidente Cristina Kirchner viraram o ano estonteados.

Logo, porém, veio uma maré favorável devido a revezes do governo. Primeiro, foi o escândalo envolvendo o vice-presidente, Amado Boudou.

O número dois de Cristina foi acusado de tráfico de influências e está sendo investigado. A principal suspeita é que tenha favorecido a um empresário amigo, responsável por uma gráfica que imprimia panfletos de campanha e dinheiro argentino.

Depois, foi a tragédia de trem da estação Once, que fez 51 vítimas fatais e deixou mais de 700 pessoas feridas. O caso trouxe a debate a má situação do transporte público na capital.

Por fim, a economia começou a dar sinais de que enfrentará um "frenazo", devido à crise mundial, a desaceleração do Brasil e a má colheita de soja causada por uma seca.

As nuvens negras se instalaram sobre a Casa Rosada, e a oposição começou a levantar a voz, usando como vias os meios opositores, como os jornais "Clarín", "La Nación" e "Perfil".

A agitação opositora, porém, durou pouco. A estatização da YPF, no mês passado, veio calar e deixar sem ação os desafetos de Cristina.

O apelo da questão do petróleo é enorme por aqui. O consenso com relação à expropriação foi amplo e generalizado em praticamente todas as classes sociais. Houve muito mais apoio a essa medida do que, por exemplo, às reclamações da presidente pela soberania das ilhas Malvinas (Falklands, para os ingleses).

A oposição não teve outra alternativa do que votar a favor. A União Cívica Radical, a mais tradicional força antiperonista da Argentina, apoiou em peso a medida, apesar de alguns protestos isolados, como o do deputado Oscar Aguad, que se levantou e saiu do recinto quando chegou sua vez de votar.

Os radicais encheram seus discursos na Câmara dos Deputados e no Senado de críticas ao modo como o governo estava agindo, mas no final elogiavam e votavam junto com a presidente.

Já a Frente Ampla Progressista e o Proyecto Sur, mais à esquerda, saíram direto em defesa da lei em alto e bom som. Entre os peronistas dissidentes, também houve críticas, mas ao final, amplo apoio.

Nesse cenário, o único partido que se comportou como real oposição foi o PRO (Proposta Republicana), do prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri, único a votar contra a lei de nacionalização da YPF.

Nas atuais circunstâncias, Macri é o político com mais chances de enfrentar Cristina em 2015, e já está se armando para isso.

Ex-simpatizante do menemismo dos anos 90, trata-se de um político de direita de 53 anos, filho de um empresário famoso e ex-presidente do popular time de futebol Boca Juniors.

A favor de si, Macri tem o fato de ser um representante do que aqui de nova classe política. Não está ligado a correntes ideológicas nem a grupos de influência do passado. Ele e seu partido se projetaram depois do "que se vayan todos" de 2001, portanto passam uma sensação de que não têm os mesmos vícios de partidos tradicionais.

Macri também se apoia na velha dicotomia entre o interior e Buenos Aires, demonstrando que a cidade mais importante do país é mais cética e menos fácil de se iludir com as ações do kirchnerismo.

Se a atual configuração política continuar, o principal opositor de Macri pode ser o peronista Daniel Scioli, a quem Cristina não tem muito apreço.

Scioli é fortíssimo na província de Buenos Aires, que inclui o chamado "conurbano" (periferia), responsável por nada menos do que 40% dos votos do país. A principal bandeira de Scioli é a questão da segurança. Sua distância da presidente aumenta a cada dia e muito provavelmente ele enfrentará o kirchnerismo como oposição em 2015.

Outras forças tradicionais da oposição, como a deputada Elisa Carrió, da Coalición Cívica, não se mostram com força para começar a encarar a próxima campanha eleitoral. "Lilita" obteve menos de 2% dos votos na última eleição presidencial e, salvo uma virada de mesa, deve ser carta fora do baralho.

Respaldada por uma economia que cresceu quase 8% no ano passado, Cristina não terá a mesma maré a favor nos próximos anos. Segundo analistas, o "frenazo", agora abafado pelo episódio da YPF, voltará a se fazer visível e será seu principal problema.

Os contornos da ação da oposição nos próximos anos não estão claros, mas mostram uma tendência de saída de cena da UCR e de um fortalecimento do PRO.

O prefeito de Buenos Aires terá de se descolar da imagem de "mauricinho" e bon vivant que tem para parte da sociedade, e mostrar que tem alternativas para a economia. Também terá que amenizar seu perfil demasiado à direita, algo que causa grandes índices de rejeição entre o eleitorado mais progressista.

Já Scioli terá de sair da sombra do kirchnerismo e enfrenta-lo, e não seguir posando ao lado da presidente enquanto mostra publicamente as diferenças que tem com ela. Agindo assim, dá sensação de oportunismo e desagrada o voto mais comprometido. Também precisa fazer com que seu círculo de influência seja mais amplo do que o "conurbano" bonaerense.

A eleição de 2015 ainda está longe, mas Scioli e Macri já se apresentam como candidatos e começam a desenhar o mapa da próxima disputa.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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