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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

29/05/2012 - 07h00

Viva o gordo

Há seis semanas, os argentinos têm um novo programa aos domingos à noite. O show político "Periodismo para Todos", do jornalista Jorge Lanata, no canal 13 (TV aberta), está virando febre entre kirchneristas e não-kirchneristas, que passam a semana seguinte discutindo nos círculos reais e nas redes virtuais o tema levantado por este veterano da imprensa.

O último programa, que teve entre suas atrações uma imitadora quase perfeita da presidente Cristina Kirchner fazendo um discurso, chegou a 20 pontos de audiência, marca só superada por programas já tradicionais e populares, como o show "Bailando por un Sueño" e a ficção "El Hombre de tu Vida", dirigida pelo vencedor do Oscar Juan José Campanella.

"Periodismo para Todos" mistura humor com jornalismo. Começa sempre com um monólogo tipo "stand up" em que Lanata percorre os assuntos políticos da semana, sempre com várias provocações ao governo. Depois, apresenta uma ou duas grandes reportagens por edição.

Entre as que mais repercutiram até agora estão a visita que fez ao hotel que pertence aos Kirchner no Calafate (sul da Argentina), a revelação de que os tuiteiros K usam identidades falsas para difundir propaganda do governo e a cobertura da viagem do super-secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, à Angola.

Conhecido pelo perfil agressivo com a imprensa, e como um verdadeiro xerife entre os empresários (é ele quem decide que coisas a Argentina pode importar hoje), Moreno não costuma dar entrevistas quando está por aqui.

Pois Lanata simplesmente contratou um jornalista angolano para ficar no pé do funcionário durante a excursão. Surpreendentemente, na África, Moreno foi simpático, respondeu perguntas em legítimo portunhol, elogiou as mulheres locais e tudo o que estava vendo. "Está tudo muito bem", repetia, enquanto se eximia de responder perguntas sobre o Indec (o IBGE argentino, sob intervenção dele).

Quando voltou a Buenos Aires, Moreno teve de aguentar a repercussão do programa e as gozações por conta do sotaque e do pitoresco de seu comportamento na viagem.

O programa de Lanata tem marcado a agenda da imprensa local, gerando matérias e discussões sobre os temas que levanta. Na semana retrasada, levou ao palco mais de 150 jornalistas, que carregavam placas com os dizeres: "queremos perguntar". A ideia era questionar a política de Cristina e demais funcionários de alto escalão de não falar com a imprensa, realizar coletivas em que não é permitido perguntar e de restringir informações, que só são passadas para os meios governistas.

Subiram ao palco de Lanata e se prestaram a esse ato, que tinha um quê de circense, colunistas dos diários oposicionistas mais famosos, repórteres, correspondentes estrangeiros e até o diretor de Redação do "Clarín", Ricardo Kirschbaum. Todos fizeram perguntas à presidente sobre os assuntos do momento, como o escândalo que envolve seu vice, Amado Boudou, que também veio à tona por uma denúncia de Lanata.

As reportagens aparecem mescladas a alguns números humorísticos, como o momento em que o jornalista é chamado para fazer diálise (ele faz também na vida real), por duas sensuais enfermeiras, ou surge no palco um ator disfarçado de Aníbal Fernández, ex-chefe de gabinete e atual senador kirchnerista, uma figura tida como folclórica pela oposição.

Num cenário em que o jornalismo tradicional e oposicionista ao kirchnerismo está desgastado e já parece ter perdido a capacidade de realmente provocar o governo, o programa de Lanata traz uma renovada atitude crítica, aliada ao bom humor. Em seus melhores momentos, lembra um ícone do humor televisivo local, Tato Bores (1927-1996), a quem evidentemente tenta emular.

Neste cenário de imprensa desanimada e oposição fulminada pela popularidade de Cristina, o jornalista surge como uma verdadeira pedra no sapato para a presidente.

Em seus discursos recentes, Cristina demonstrou claramente estar assistindo ao programa e ter ficado incomodada com o que viu. Na última sexta-feira, em seu discurso no dia da independência argentina, a presidente defendeu-se por ter ido a Angola, viagem criticada e exposta pelo jornalista, e dirigiu a ele várias respostas disfarçadas.

Mas Lanata tem desafios. Manter o pique de denúncia, boas reportagens e bom humor num programa semanal longo (quase uma hora e meia) é difícil, por mais que a política na Argentina se pareça muito com uma novela e seja acompanhada no detalhe pelos argentinos. Em mais de uma ocasião, o programa ficou meio arrastado.

Outro ponto é a renovação da audiência. A juventude argentina parece muito mobilizada pelo discurso K. Se Lanata quer mesmo renovar seu público, deveria pensar em uma ação mais voltada a essa faixa e deixar de lado alguns exageros nos quadros humorísticos, que às vezes parecem meio antiquados.

O fato, porém, de ter monopolizado os dois lados do debate político na Argentina hoje não é menor. E esse showman que tem um pouco de Jô Soares e um pouco de Michael Moore, além de tornar mais divertido o domingo à noite, está acrescentando temas ao debate político. Viva o gordo!

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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