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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

17/07/2012 - 03h00

Peronistas contra peronistas

Para quem vem de fora, uma das coisas mais difíceis de entender na política argentina são as divisões e disputas de poder dentro do próprio peronismo, essa imensa, difusa e poderosa agrupação ideológico-partidária fundada por Juan Domingo Perón (1895-1974).

Basta tomar o exemplo das eleições passadas, em que nada menos que três candidatos eram peronistas, Eduardo Duhalde, Adolfo Rodriguez Sáa e a própria Cristina Kirchner.

Quando seu falecido marido, Néstor (1950-2010), chegou à Presidência, também a principal disputa era entre dois peronistas que pareciam opostos em suas propostas para o país, ele e Carlos Menem.

Nas últimas semanas, uma disputa interna do peronismo tem ganhado projeção e repercussão nacionais. Pela primeira vez em seu governo, Cristina concentrou forças e apontou todo o seu arsenal político e de comunicação para atacar uma só pessoa. E trata-se, nada menos, de um político peronista, o governador da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli.

Scioli é um empresário que, até o final dos anos 80, era conhecido por sua carreira na... motonáutica. Piloto de lanchas famoso, sofreu um trágico acidente em 1989, que fez com que perdesse um braço.

Logo depois, sua carreira política começou a deslanchar. Foi deputado, ainda nos anos Menem, depois secretário de Turismo e Esportes, até chegar ao posto de vice-presidente da Argentina, durante a gestão Néstor (2003-2007).

Este foi o momento de maior afinação de Scioli com o poder. Também começou a consolidar a imensa popularidade que hoje tem no chamado "conurbano" (periferia) bonaerense. O peso político dessa região não é nada desprezível, cerca de 40% do eleitorado argentino, ou mais do que toda a Patagônia reunida, vive aí.

Depois da morte de Néstor, Scioli passou a afastar-se da cúpula do poder. Cristina nunca simpatizou com ele e, diz-se, tem inveja de sua popularidade nessa disputada zona.

Mas Scioli nunca rompeu com a presidente. Pelo contrário, sai com ela em fotos e vai aos eventos, declara publicamente seu apoio a ela e a seu "modelo" econômico. Assim, colhe os frutos de uma proximidade que, todos sabem, é falsa.

Essa tênue aliança, porém, está em perigo. Há pouco mais de um mês, Scioli anunciou-se como pré-candidato para as eleições presidenciais de 2015. Cristina, que não quer o governador como seu sucessor oficial, mas sim algum nome mais próximo, provavelmente da agrupação La Cámpora, não gostou nem um pouco, e o disse publicamente.

Além de usar o espaço de cadeia nacional de rádio e TV para atacá-lo, concentrou esforços de sua equipe no "conurbano", tentando conquistar o eleitorado de Scioli aí. O governador está com dificuldades para pagar a aposentadoria dos funcionários públicos locais, e acusa o governo federal de não passar recursos à Província.

Scioli, que não faz esforço para esconder seu apreço pela futilidade --vive cercado de famosos e, no campo de futebol de sua casa, recebe convidados ilustres todo o tempo --tem mostrado um sangue-frio impressionante. A guerra de nervos que a presidente promove contra ele não parece abalá-lo e ele não altera sua rotina de 10 horas de trabalho diárias mais festas.

Os meios de comunicação publicam cada capítulo da novela com atenção. Scioli não tem a simpatia dos veículos, mas os que se opõem à Cristina veem com bons olhos sua resistência a ela.

Em relação a seu concorrente direto, o chefe de governo de Buenos Aires, Mauricio Macri (PRO), Scioli vai abrindo considerável vantagem, pela visibilidade do caso e pelo seu comportamento estoico, que começa a ser amplamente elogiado.

Aos poucos, o tabuleiro político da próxima eleição vai se desenhando. Enquanto Cristina não aponta seu eleito nem dá as cartas para uma mudança na Constituição que lhe permita um terceiro mandato, Scioli vai abrindo espaço e amealhando apoios. Tendo anunciado tão cedo sua candidatura, comprou uma briga com o governo e uma dor de cabeça de, no mínimo, três anos.

Scioli e Cristina, peronista contra peronista, dão sequência a uma tradicional batalha política argentina.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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