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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

30/08/2011 - 07h02

Dez anos de "buena onda"

Em dezembro deste ano, completam-se 10 anos do chamado "estallido", quando protestos de rua causados pela crise econômica argentina culminaram na queda do governo de Fernando De la Rúa (UCR).

Se por um lado esse foi um momento crítico da história recente do país, por outro o trauma teve um efeito positivo. Afinal, de certa forma alimentou de temas o cinema nacional, que passou a refletir sobre vários aspectos da sociedade.

Podemos considerar que essa "buena onda" do cinema argentino começou na verdade um pouco antes, com "Nove Rainhas' (Fabián Bielinsky, 2000), a história de dois sedutores trapaceiros (Ricardo Darín e Gastón Pauls). Ao longo do filme, a dupla dá criativos golpes e são expostas certas características do clima geral do país, permitindo já antever a turbulência que viria no ano seguinte.

Não há um único modo de rotular esses filmes produzidos entre 2001 e 2011, mas a maioria expôs como eram as relações familiares e amorosas nos tempos que corriam, com as dificuldades financeiras que surgiam, principalmente para a classe média. Também abordaram questões relativas à história recente, como a ditadura, mas desta vez privilegiando um enfoque intimista, humano.

O olhar dos diretores parecia buscar, no plano das ligações pessoais, as respostas para a terrível situação nacional. Ou pelo menos registrar através de um olhar do dia a dia o que acontecia na História. Uma das referências foi o cinema italiano do pós-Guerra.

Neste aniversário de (mais ou menos) 10 anos da "buena onda", segue uma lista dos meus filmes favoritos, em ordem de preferência. Vale a pena recordar.

"O Segredo dos Seus Olhos" (2009), Juan José Campanella

Filme ganhador de um Oscar, o drama conta uma história de amor ao longo de mais de 20 anos, atravessada por um crime que expõe os bastidores da política argentina. Ricardo Darín e Soledad Villamil repetem a parceria de um antigo filme do mesmo diretor, "O Mesmo Amor, A Mesma Chuva".

"Nascido e Criado" (2006), Pablo Trapero

História de um homem que leva harmoniosa vida familiar até tudo mudar depois de um terrível acidente de carro. Resolve, então, mudar-se para a Patagônia, onde começa uma nova vida sem revelar a ninguém seu passado.

"O Abraço Partido" (2004), Daniel Burman

Daniel Hendler é um rapaz de origem judaica e situação econômica precária que faz de tudo para conseguir um passaporte polonês e deixar o país, para fugir da falta de perspectivas. A maior parte da ação se passa numa típica galeria de lojas do bairro de imigrantes Once, em Buenos Aires, onde a mãe do jovem tem uma loja de lingeries.

"O Filho da Noiva" (2001), Juan José Campanella

Filme que projetou Campanella internacionalmente. Em crise de meia-idade, o dono de um restaurante que vai muito mal das pernas (Ricardo Darín) tenta realizar um sonho do pai (Hector Alterio) de finalmente casar-se com a mãe (Norma Aleandro), que sofre de Alzheimer e está num asilo. Difícil imaginar que um cineasta brasileiro conseguisse fazer um filme tão tocante sem cair na pieguice.

"Crónica de una Fua" (2006), Adrián Caetano

Baseado em fatos reais, o diretor uruguaio conta a história de um grupo de prisioneiros da repressão militar (1976-1983) que arquitetam uma fuga. Um deles não é militante e foi recolhido por engano, por isso seu olhar sobre os demais é de estranhamento e cumplicidade.

"Los Rubios" (2003), Albertina Carri

Docu-drama que narra a busca da diretora pela verdadeira história de seus pais, desaparecidos durante a ditadura. O filme percorre o local onde a família vivia, entrevista vizinhos, e usa objetos, fotos e até bonecos Playmobil para tentar desvendar o que aconteceu.

"Lugares Comuns" (2002), Adolfo Aristarain

Neste filme sobre o envelhecimento, professor universitário (Federico Luppi) é aposentado contra a vontade às vésperas de partir para a Espanha para visitar o filho. Este insiste que os pais fiquem na Europa, mas o casal prefere voltar à Argentina e retirar-se para o campo.

"Kamchatka" (2002), Marcelo Piñeyro

Casal de militantes refugia-se com o filho de 10 anos durante a ditadura, que passa a ser vista por meio dos olhos do garoto. Pai (Ricardo Darín) e filho jogam uma espécie de War no qual Kamchatka, a península na Rússia, se torna um símbolo do refúgio e de um possível reencontro. Será a lembrança que o garoto terá dos pais, quando eles partem.

"El Bonaerense" (2002), Pablo Trapero

A história de um oficial de polícia (Jorge Román) recém integrado à força, que trabalha em La Matanza, na Grande Buenos Aires. Em sua curta trajetória, entra em contato com a corrupção, a desesperança e a violência com as quais os policiais convivem.

"O Pântano" (2001), Lucrécia Martel

A mais alternativa entre os grandes cineastas argentinos retrata a claustrofobia em que vivem os habitantes do interior do país, em filme sobre duas famílias que têm problemas de relacionamento e passam o verão juntas. Com ótimas atuações de Mercedes Morán e Graciela Borges.

*

Na próxima sexta-feira, estreia no Brasil a comédia 'Um Conto Chinês', também com Ricardo Darín, desta vez vivendo um veterano da Guerra das Malvinas. Foi um imenso sucesso de público aqui na Argentina. Levou mais de 900 mil pessoas ao cinema e foi a maior bilheteria de 2010.

Já na semana retrasada, estreou outra comédia, 'Viudas', com a veterana Graciela Borges. Também fenômeno de público, levou mais de 100 mil pessoas ao cinema em apenas cinco dias.

Dramas e filmes de arte continuam sendo produzidos, vistos e bem acolhidos pela crítica. Mas são os da vertente cômica, e mais comerciais, como 'Um Conto Chinês', 'Viudas' e 'Mi Primera Boda', que estreia aqui nesta semana, que têm caracterizado melhor essa nova fase do cinema argentino.

Talvez seja o sinal de tempos mais risonhos.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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