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sylvia colombo

crônicas de Buenos Aires  

20/09/2011 - 07h02

Coetzee em Buenos Aires

O prêmio Nobel sul-africano J.M. Coetzee, 71, e seu alter ego, o personagem da escritora em seu ocaso Elizabeth Costello, encerraram na noite do último domingo a terceira edição do Filba (Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires).

Tal qual fez na Flip de 2007, Coetzee não quis dar uma palestra convencional. Preferiu ler o trecho de uma obra. No caso, "The Old Woman and the Cats" (a velha senhora e os gatos), que narra um encontro entre Costello e seu filho, John. Nele, a escritora está vivendo em uma pequena cidade na Espanha e John vai visitá-la.

Coetzee já disse várias vezes, inclusive numa entrevista que fiz com ele em 2004, que repudia essa onda de festivais literários nos quais escritores são chamados a fazerem verdadeiras performances. "O espetáculo de escritores sendo usados para fazer publicidade de seus próprios livros, particularmente os escritores mais jovens, é deprimente e não funciona bem", disse, à época.

Como parece não conseguir deter essa tendência, Coetzee entrou nela, mas com restrições. Tem aceitado alguns convites, viaja, sobe ao palco, mas à sua maneira. Jamais emite opiniões sobre atualidades, jamais comenta seus livros.

Uma vez no púlpito, quase sempre de terno e gravata, oferece algumas palavras de agradecimento, apresenta a obra que vai ler, e começa a fazê-lo, pausadamente, sem encenar nenhuma ação.

Em Buenos Aires, foi assim. Coetzee subiu ao palco do auditório do Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) e disse algumas palavras em espanhol, lendo. O local, com capacidade para 200 pessoas, estava lotado. O evento era gratuito e, por conta disso, as filas para obter os ingressos foi gigantesca desde o momento em que começaram a ser distribuídos.

Coetzee agradeceu aos organizadores e introduziu brevemente o personagem de Elizabeth Costello.

Depois, o vencedor de dois Booker Prize - por "Vida e Época de Michael K" e "Desonra" (ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras) - começou a leitura, em inglês, sem tradução simultânea.

Ao meu lado, duas fãs comemoravam o fato de ele ter escolhido uma passagem que se passa na Espanha e na qual há um personagem que fala algumas palavras em castelhano. "Ele escolheu esse porque vinha falar aqui". Não quis desiludi-las e não disse nada, mas não é a primeira vez que ele lê esse mesmo trecho em eventos públicos.

O texto é envolvente, e melhor para ler para uma platéia do que o trecho de "Diário de um Ano Ruim" que ele ofereceu em Paraty. Possui mais diálogo e mais conflito. Elizabeth Costello está discutindo com o filho, que não entende a obsessão da mãe por viver longe das grandes cidades, rodeada de gatos. Tem, ainda, alguns momentos de quase humor, que o público, ansioso por sair do comportamento solene, responde com risadas um pouco exageradas.

Lá pelas tantas, inevitavelmente, um celular começa a tocar. Coetzee continua lendo, mas visivelmente incomodado, por uns segundos. O dono se desespera para desligar o aparelho, e recebe o olhar reprovador de todos. Logo tudo volta ao normal. Após aproximadamente 40 minutos de leitura, Coetzee diz um curto e baixo "thank you" (obrigado) e se retira.

Numa última concessão, topou autografar uma quantidade limitada de livros. Uma fila alvoroçada se formou. A cada um que se aproximava, perguntava o nome, anotava e assinava o exemplar.

Num país em que se fala de política dia e noite, especialmente nesse período pré-eleitoral, e em que tudo, acidentes de trens, crimes e campeonatos de futebol, é transformado em instrumento de discussão ideológica, a fala de Coetzee foi uma surpresa e uma sugestão de que outras formas de ver a realidade são possíveis.

O sul-africano não deu sinais de saber quem é Cristina Kirchner, nem de quem tenha sido Juan Domingo Perón. Não mencionou o assassinato da menina Candela, obsessão nacional há quase um mês, não citou Maradona ou Messi para criar empatia com o público, nem divagou sobre a saúde de Hugo Chávez e Fidel Castro ou outros temas latino-americanos.

Fiel à ideia de que um escritor fala através de seus livros e de nenhum outro modo pode interferir no mundo que habita, não nos deixou conhecer nada do que pensa sobre este planeta e seus caminhos.

Humilde, mas, talvez por isso, grandioso, circunscreveu-se à sua obra. Quem quiser mais, que busque entre seus outros trabalhos.

sylvia colombo

Sylvia Colombo é correspondente da Folha em Buenos Aires. Está no jornal desde 1993 e já foi repórter, editora do "Folhateen" e da "Ilustrada" e correspondente em Londres. É formada em jornalismo e história. Escreve às terças-feira no site da Folha.

 

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