Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 

valdo cruz

 

23/10/2007 - 00h15

Manual da antinegociação

Demorou, mas o governo Lula percebeu que seu discurso sobre a prorrogação da CPMF estava totalmente atravessado, completamente desafinado, seguia um manual escrito por quem passou longe das mesas de negociação. Para quem precisa desesperadamente da sobrevida do imposto do cheque, havia muita gente falando em sentidos opostos. Um caso é visto como exemplar por líderes governistas, que já pediam havia muito tempo que todos falassem a mesma língua.

Deu-se há cerca de quinze dias. Na busca de apoios na oposição, o Palácio do Planalto acertou a ida do ministro Guido Mantega (Fazenda) ao Senado para uma visita ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça, o senador democrata Marco Maciel (PE). O governo precisa de sua colaboração para encurtar o prazo de tramitação da emenda constitucional que prorroga a CPMF na comissão. Ou, pelo menos, que sejam respeitados os prazos legais, sem marolas.

No dia anterior à visita, Guido Mantega concedeu entrevista num tom classificado por gente do governo e da oposição no Congresso como ameaçador. Disse que, se a CPMF não fosse prorrogada, ele teria de aumentar as alíquotas de outros impostos, bem piores do que o imposto do cheque, como PIS e Cofins. Azedou de véspera o encontro planejado para o dia seguinte com o senador pernambucano.

Mantega destoou tanto que um líder governista disse a ele o seguinte: "Deixa só com a gente a tarefa de falar sobre estratégia de negociação da CPMF". No fundo, o ministro da Fazenda só falou o que o governo pretende de fato fazer se o imposto do cheque for extinto. Terá de cobrir com outros impostos o buraco de R$ 40 bilhões que será criado. Mas dentro de um processo de negociação complicado, uma declaração dessa só atrapalha.

Agora, a palavra-chave ensaiada por todo mundo dentro do Governo é negociação. Hoje, terça-feira, dia 23 de outubro, Lula vai reunir sua equipe e quebrar a cabeça para saber até onde pode ceder. O presidente elegeu os tucanos, partido com expectativa de voltar a ocupar sua cadeira no Palácio do Planalto, como o alvo predileto das conversas. Vai acabar conseguindo o que tanto deseja e precisa: dar sobrevida ao imposto do cheque.

Lula vai contar com a ajuda de muitos empresários, que já devem estar ligando para senadores amigos na oposição pedindo que evitem criar instabilidades na economia. Ou seja, a CPMF é um imposto ruim, mas sem ela vai ficar tudo muito pior. Então, melhor negociar sua prorrogação em troca de uma redução gradual da alíquota nos próximos anos.

No final, o Palácio do Planalto ainda vai ensaiar uma faturadinha. Vai alardear que o petista será o primeiro presidente a garantir uma redução da alíquota do imposto do cheque.

Briga de cachorro grande

Enquanto ainda se fala no futuro de Renan Calheiros e o governo faz o que pode --e também o que não deveria-- para aprovar a prorrogação da CPMF, prossegue nos bastidores do Congresso a batalha em torno do futuro da TV paga no Brasil. Uma disputa bilionária, que vai além da TV por assinatura, englobando todo mercado de produção e, também, de distribuição de audiovisual pelas inúmeras tecnologias disponíveis no mercado: cabo, microondas, satélite, banda larga, conexão sem fio e por aí vai.

É um assunto técnico e complexo, mas que mexe com interesses de grupos econômicos poderosos TVs de um lado e empresas de telecomunicações de outro, passa pela delicada questão de proteção do mercado nacional e, na última ponta, atinge o seu, o meu, o nosso bolso, sem falar nas nossas preferências por esse e aquele tipo de programação.

O tema ainda está longe de atingir um consenso se é que um dia vai chegar lá, mas já entrou numa fase mais concreta, de cada grupo interessado colocar suas cartas na mesa para que se aprove uma nova legislação para o setor. Entre elas, está a definição de cotas de conteúdo nacional na programação da TV paga no Brasil.

Os deputados da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicações, envolvidos no tema, dizem que não estão inventando a roda. Na Europa esse modelo já é adotado, com alguns países exigindo que até 50% das produções na TV paga sejam produzidas por gente de casa. No Brasil, a proposta é fixar que pelos menos 10% dos canais sejam de brasileiros e que na programação entre 6h e 24h haja pelo menos 50 horas de produção genuinamente nacional.

O tucano Julio Semighini e o petista Jorge Bittar acabaram comprando uma bela briga com as emissoras de televisão e os donos de TV paga. Eles simplesmente não querem ouvir falar nisso. Os deputados, contudo, acreditam no caminho do meio. Jogaram a idéia das cotas e esperam chegar a uma negociação que proteja os produtores nacionais. É uma forma de gerar emprego e garantir espaço para a divulgação da cultura brasileira, alegam.

Tem ainda a batalha entre TVs e Teles. As emissoras de televisão já deram praticamente como perdida a disputa sobre a exploração da TV a cabo no país, hoje proibida ao capital estrangeiro. A tendência natural é liberar o setor para empresas como a Telefonica e Telmex, do mexicano Carlos Slim. Mas vão ganhar compensações, como a que determina que o serviço seja fatiado entre empacotamento e distribuição do sinal da TV paga. O primeiro ficaria restrito ao controle de capital nacional, ficando o segundo liberado para os gringos.

Bem, como já dito, é uma batalha que já está em andamento, mas longe de seu derradeiro enfrentamento.

valdo cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Cobre os bastidores do mundo da política e da economia em Brasília. Escreve às segundas-feiras.

 

As Últimas que Você não Leu

  1.  

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página