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valdo cruz

 

07/01/2008 - 16h32

Supremo surrealismo

Entrar no gabinete de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) é quase que como presenciar uma cena surreal. Tudo parece não ser realidade, apesar de ali estarem registrados fatos da vida de inúmeros brasileiros, empilhados à espera de uma decisão. São processos que muitas vezes tramitaram anos a fio pelos caminhos da Justiça até chegar naquele local. Quando chegam, pode ser tarde demais. Tem caso de gente que não espera a sentença. Simplesmente morre antes dela.

Dias desse tive essa experiência. Convidado pela ministra Carmen Lúcia para um café, fui visitar seu gabinete, no quinto andar do edifício-anexo do STF. Composto por três enormes salas, com divisórias em duas delas, o gabinete está entulhado de processos. Ao todo, são cerca de 12 mil. Perguntei para a ministra se ela tinha idéia da altura que poderia chegar aquela montanha de processos. "Nem imagino", respondeu. Numa conta conservadora, se cada processo tivesse em média 25 centímetros, chegaríamos a um pico de 3 mil metros.

Sabem o que é isso? Seria o mesmo que dez Empire State, o arranha-céu de Nova York, que mede 381 metros, sem contar sua antena. Ou nada menos do que quase seis Taipei 101, o prédio mais alto do mundo, localizado em Taiwan, com seus 508 metros de altura. E que tal falar em Bolívia. La Paz fica a 3.600 metros do mar. Ou seja, você empilha os processos da sala da ministra em Copacabana, a beira-mar, e fica quase da mesma altura da cidade boliviana.

Na sala principal, onde a ministra despacha todos os dias, há nada menos do que 44 pilhas de processos espalhadas pelo chão. Isso mesmo. No chão. entre mesas, cadeiras e armários. Para caminhar pela sala, você precisa ir desviando dos volumes. Essa é apenas a parte visível do congestionamento de processos no Supremo. Se você abrir os armários, vai se assustar. São vários deles, nas três salas, todos completamente lotados, de cima a baixo.

A situação, diz a ministra Carmen Lúcia, já foi pior. Quando chegou, havia por ali mais de 15 mil processos. Ela diz que conseguiu reduzir esse número com uma média de 1.500 decisões por mês. Só assim, afirma a ministra, é possível conseguir reduzir e evitar que a montanha volte a crescer. Afinal, a cada dia são cinquenta novos processos que são distribuídos para o seu gabinete. Tudo isso na era da internet.

Carmen Lúcia, há um ano e sete meses no STF, espera que a informatização dos processos torne pelo menos o ambiente de seu gabinete mais agradável. Os primeiros serão aqueles que tratam de recurso extraordinário. Ela espera que entre dois a quatro anos todos esses processos já estejam arquivados eletronicamente, acabando com as pilhas de processo espalhadas por seu gabinete. Um cena que tira um pouco da beleza que pode ser vista de sua janela, de onde é possível avistar o lago Paranoá, o Palácio do Planalto e outras obras de Oscar Niemeyer.

Para conseguir manter o ritmo de 1.500 decisões por mês, a ministra diz que acorda cedo, às 5h30. Começa a trabalhar em casa, chega ao Supremo às 10h e sai normalmente às 22h. Ela diz não se importar com o ritmo de trabalho e com número de processos empilhados em sua sala. "Isso aqui também significa que o cidadão brasileiro está brigando mais pelos seus direitos. Mudou a cultura do brasileiro, que antes era muito acomodado. Isso é bom", afirma a ministra.

Quanto aos problemas de estrutura do Judiciário, que também contribuem, e muito, para a enorme quantidade de processos no Supremo, ela acredita que com o tempo isso vai mudar. Cita como medida que vai desafogar o STF a chamada repercussão geral. Ou seja, processos que tratem apenas de situações individuais estão morrendo no STJ (Superior Tribunal de Justiça), não estão seguindo mais para o Supremo.

Por fim, termina o café, numa tarde de sexta-feira em Brasília, dizendo que está feliz em integrar o Supremo e que ter se tornado ministra é um orgulho, mas não chega a mexer com sua vaidade. "A gente trabalha muito, poderia ganhar mais advogando, mas sentimos que estamos cumprindo uma missão de contribuir para o respeito da Constituição." Acrescenta que sente uma "grande ansiedade" por não ter condições de responder alguns processos no tempo que eles merecem e as pessoas esperam. Tanto que logo depois das comemorações de final de ano já havia decidido que passaria janeiro em Brasília, trabalhando.

valdo cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Cobre os bastidores do mundo da política e da economia em Brasília. Escreve às segundas-feiras.

 

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