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26/09/2007 - 10h12

País pobre terá metas para conter aquecimento, diz Ricardo Lagos

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CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo

O discurso do presidente Luís Inácio Lula da Silva ontem na ONU traz nas entrelinhas um reconhecimento de que os países em desenvolvimento deverão aceitar um acordo internacional em que tenham metas para reduzir sua emissão de gases-estufa. A opinião é do ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, hoje enviado especial sobre mudança climática do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Confiante de que a negociação de um acordo para suceder o Protocolo de Kyoto começará ainda neste ano, Lagos disse acreditar que a resistência dos EUA em debater o assunto sob a égide da ONU vai acabar. Leia a seguir a entrevista que o diplomata concedeu à Folha ontem (25), por telefone.

Folha - Como o sr. avalia a fala do presidente Lula na ONU? Ela traz algo de novo ou apenas repete uma posição histórica do Brasil?

Ricardo Lagos - O que entendemos do presidente Lula foram duas coisas: primeiro, que em breve o Brasil vai lançar um plano nacional de combate à mudança climática, e que esse plano nacional do Brasil deve ser respondido perante o povo brasileiro e também perante os organismos internacionais. Isso quer dizer que as Nações Unidas podem exigir que o Brasil preste contas do quão efetivamente ele está cumprindo o plano que se impôs. Isso é importante, porque quer dizer que, apesar de o Brasil ser um país em desenvolvimento, ele está disposto a que a comunidade internacional fiscalize o que ele propõe. A outra coisa é que, sem prejuízo da soberania e da responsabilidade que o Brasil tem sobre a Amazônia, Lula assinalou a cifra importantíssima de que o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento à metade. O Brasil enviou uma mensagem: a primeira responsabilidade é do mundo desenvolvido, mas nós, os países em desenvolvimento, também temos responsabilidade, não tão alta quando a daqueles, mas que essa responsabilidade nos obriga a propor quais tarefas vamos assumir. Lula estabeleceu um marco importante para outros países em desenvolvimento e produzirá um efeito na comunidade internacional.

Folha - O sr. interpreta as declarações de Lula como algo diferente de aceitar metas obrigatórias num acordo pós-Kyoto? Se é possível fiscalizar um compromisso doméstico, a diferença entre isso e uma meta obrigatória é quase semântica.

Lagos - Claro. Um compromisso doméstico que a comunidade internacional pode fiscalizar é diferente de um compromisso doméstico que, se não for cumprido, não acontece nada. O presidente Lula sinalizou que este é um compromisso doméstico que o Brasil assume perante a comunidade internacional. Outros países também sinalizaram isso, como o México. E pelo que conversei com o ministro do Meio Ambiente sul-africano há algumas semanas, a direção é semelhante.

Folha - Então o sr. acha que a resistência dos países em desenvolvimento a aceitar metas no período pós-Kyoto está se rompendo?

Lagos - Eu não falaria de todos os países em desenvolvimento, mas de alguns. Você não pode colocar o Chile e o Haiti no mesmo pé. Aos haitianos você não pode exigir nada. Mas ao Chile sim, porque o Chile tem uma renda muito maior.

Folha - Para esclarecer: então, a resistência de alguns países em desenvolvimento está se rompendo?

Lagos - Sim. Acho que alguns países em desenvolvimento entendem que também têm de contribuir. Todos nós sabemos que quem tem a maior responsabilidade são os países desenvolvidos. Mas acho também que, dez anos depois de Kyoto, há países que avançaram, cresceram e amadureceram e que também têm responsabilidade.

Folha - Lula quer basear a ação brasileira em dois pés: a redução do desmatamento e os biocombustíveis. Mas a FAO [órgão da ONU para a agricultura] tem apontado que existe risco de a monocultura da cana-de-açúcar causar desmatamento e afetar a produção de alimentos. Esse medo tem razão de ser?

Lagos - Isso me lembra a discussão que tínhamos antes: o aquecimento global é um fenômeno humano ou é algo que acontece a cada 600 mil anos na Terra? E esse é um debate científico. Hoje ninguém discute que o aquecimento da Terra é produto da ação humana a partir da Revolução Industrial. E isso que você diz demanda também uma resposta científica. O presidente Lula certamente fez uma defesa muito forte do etanol biocombustíveis. Mas acho que isso, como a questão do aquecimento global, é algo quer vai se resolver do ponto de vista científico.

Folha - Qual é a avaliação que o sr. faz da reunião de cúpula convocada pelo secretário-geral Ban Ki-moon? Olhando de fora, a impressão que se tem é de que nada de importante politicamente aconteceu.

Lagos - Sei disso. Mas o que se produziu de politicamente importante é que você nunca antes havia tido um dia inteiro de Nações Unidas, com a presença dos principais chefes de Estado e de governo, dedicado a debater o tema. O assunto antes era: em Bali vai haver ou não um início de negociações? Ninguém duvida agora que haverá um início de negociações. E digo mais: um início de negociações que vai chegar a termo. Há dez anos estávamos discutindo Kyoto. Hoje discutimos o que vamos fazer depois de Kyoto, depois de 2012. E não tenho dúvidas de que vamos chegar a um acordo. Há quatro meses países muito importantes diziam que não estavam dispostos a discutir [clima] nas Nações Unidas. E hoje, depois do que colocou o presidente Bush [anteontem], esse assunto está decidido.

Folha - Mas é estranho Bush dizer que apóia o processo na ONU e ter faltado à cúpula...

Lagos - Mas foi ao jantar do secretário-geral (risos).

Folha - Há alguns meses Bush negava a ciência e dizia que compromissos voluntários e tecnologia eram a melhor maneira de resolver o problema. Hoje, diz crer na ciência, mas que compromissos voluntários e tecnologia ainda são a melhor maneira de atacar o problema. Houve alguma mudança significativa?

Lagos - A mudança foi entender que esse assunto se debate na ONU. Agora, estamos em negociação. Você não mostra as cartas na primeira rodada.

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