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18/04/2002 - 18h11

Carmona pede "perdão", mas não se arrepende

AUGUSTO GAZIR, enviado especial da BBC a Caracas

O empresário Pedro Carmona, que governou a Venezuela por dois dias na semana passada, no lugar do presidente Hugo Chávez, pediu "perdão" ao país pelos erros que cometeu, mas afirmou que não se arrepende de seus atos.

"Assumo qualquer falha e peço perdão por suas conseqüências", disse Carmona em entrevista a BBC Brasil. "(Mas) estaria arrependido, caso não tivesse coragem de dar o passo que dei", acrescentou.

Ex-presidente da Fedecamaras, a associação empresarial do país, líder das greves e passeatas contra o governo Chávez, Carmona, de 60 anos, afirmou que não deu um golpe, mas que assumiu o governo durante um "vazio" politico e que sua intenção era liderar a transição para um governo democrático.

Segundo ele, "os elementos da crise" continuam na Venezuela, e a reconciliação é uma tarefa "complexa". O empresário negou ter tido contato com representantes do governo americano, antes de assumir o poder. A seguir os principais trechos de sua entrevista:

BBC Brasil - Se o movimento social de oposição a Chávez liderado pelo sr. pedia mais democracia no país, por que o senhor quando assumiu o poder decretou o fechamento do Congresso e outras medidas de exclusão?
Pedro Carmona -
O governo transitório tinha uma vocação democrática e queria restabelecer rapidamente a ordem constitucional. A nossa intenção era convocar eleições parlamentares em 90 dias, e votar reformas constitucionais, como eleições presidenciais em dois turnos, em 180 dias. Buscávamos uma transição presidencial não em um ano, mas em metade desse tempo. Para acelerar a transição, necessitávamos uma dinâmica muito maior do que a dos poderes públicos que estavam funcionando. Iríamos fazer anúncios adicionais onde esclareceríamos nossa agenda e intenções.

BBC Brasil - Mas o fechamento foi antidemocrático. O sr. hoje considera a medida um erro?
Carmona -
Eu reconheço que pode ter sido um erro. Admito isso diante de minha consciência e do país. Retifiquei depois o decreto e pedi ao Congresso para confirmar e juramentar o presidente provisório, e o Congresso decidiu designar o vice-presidente (de Chávez, Diosdado Cabello), que também havia deixado o cargo. Eu acatei. Não havia nenhuma vocação totalitária. O objetivo era garantir uma transição e uma transferência de poder rápidas. Havia um vazio de poder, e eu assumi a responsabilidade.

BBC Brasil - Mas o senhor deixou a impressão de ser um golpista?
Carmona -
Não foi um golpe. Foi uma situação de fato, fruto de um vazio. O mais alto oficial das Forças Armadas anunciou em cadeia nacional que o presidente havia apresentado a renúncia. A minha intenção era formar um governo transitório plural, com todos os setores do país.

BBC Brasil - Muitos jornalistas do país acham que o sr. foi manipulado por um grupo militar. O sr. participou da decisão de fechar o Congresso?
Carmona -
Assumo a responsabilidade, pois fui quem anunciou o decreto. Apesar de ter voltado atrás, sou o responsável pelo decreto. Houve a discussão com juristas durante toda a sexta-feira (12 de abril), antes do anúncio do decreto. Não sou manipulável. Teses jornalísticas de que fui manobrado são falsas. Assumo com valentia qualquer falha e, por elas, peço perdão ao país por suas conseqüências.

BBC Brasil - Então o sr. se arrepende?
Carmona -
Não me arrependo. Admito os erros, mas não me arrependo. Estaria arrependido se não tivesse a coragem de ter dado o passo que dei. Agora, aceito as conseqüências do ato, pois estou submetido a processo judicial.

BBC Brasil- O sr. concorda que o presidente Hugo Chávez voltou ao poder muito menos por suas virtudes e força política e mais pelos erros que o sr. cometeu?
Carmona -
Não. Não houve um plano preconcebido. Se houvesse, tudo já estaria perfeitamente organizado. A melhor prova que isso não existia é que levamos muitas horas para organizar a composição do governo transitório. Essas horas que perdemos foram cruciais para o nosso fracasso.

BBC Brasil - O sr. teve algum contato com representantes do governo dos Estados Unidos, antes assumir a liderança do governo transitório?
Carmona -
Recebi uma visita do embaixador dos Estados Unidos na Venezuela, durante a transitoriedade. Ele queria ter informações sobre o que iríamos fazer, nossa estratégia. Em nenhum momento, o embaixador manifestou opiniões ou apoio. Antes disso, nunca tive nenhum contato com ninguém do governo americano.

BBC Brasil - O sr. acredita nos pedidos de perdão e reconciliação nacional feitos por Chávez, quando ele retomou o poder?
Carmona -
Se tudo que aconteceu vier a resultar não em uma retificação retórica, mas em mudanças profundas quanto ao estilo e as políticas do presidente, se passarmos a ter mais pluralismo político, então o que fizemos não terá sido em vão. Não podemos esquecer que os elementos da crise continuam e que as vozes que protestaram contra o governo expressaram sentimentos profundos do país. A Venezuela está dividida, e a reconciliação do país é uma tarefa complexa, que sera feita não com palavras, mas com fatos.

BBC Brasil - Mas o sr. acredita na vontade do presidente Chávez?
Carmona -
Não creio nas palavras. Quero ver como ele vai traduzir isso em medidas. Tenho sim a esperança de que ele vai fazer algo.

BBC Brasil - E o que ele tem de fazer?
Carmona -
Ele tem de admitir que a definição do futuro do país corresponde à sociedade, e não a grupos políticos excludentes. É necessário modificar leis estatistas e intervencionistas que foram aprovadas, abrir o país para investimentos externos, criando empregos. O país requer o fim de sua politica de conflitos para abrir espaços para a participação dos cidadãos.

BBC Brasil - Mas a oposição mantém o tom de disputa?
Carmona -
Bem, mas esse discurso tem sido alimentado pelo outro lado. Ainda não viramos a pagina. O reencontro ainda tem de se dar. A cura das feridas que existem não é pela intenção, mas por medidas concretas, negociadas por comissões de alto nível.

BBC Brasil - O sr. se sente um preso político?
Carmona -
Neste momento, há um processo judicial aberto contra mim, e estou em prisão domiciliar. Espero que esse processo se dê com imparcialidade e sem vingança politica.

BBC Brasil - Mas esse processo é justo?
Carmona -
De acordo com meus advogados, o processo não se iniciou, e eu deveria estar em liberdade plena. Em circunstâncias muito piores, como tentativas de rebeliões e golpes militares, o país deu o perdão. O próprio presidente (Hugo Chávez), inclusive, já foi beneficiado por esse perdão (Chávez tentou um golpe militar em 1992).

BBC Brasil - O sr. pensa em voltar para a política, voltar a liderar o país?
Carmona -
Meu papel é e seguirá sendo de liderar a sociedade civil. Sobre a política institucional, não tenho planos, mas não descarto.

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