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30/10/2003 - 01h32

"Eleição de Lula foi a coisa mais promissora", diz a escritora Susan Sontag

ANELISE INFANTE
da BBC, em Madri

Antipatriota, traidora e repugnante foram alguns dos adjetivos pouco elogiosos que a escritora americana Susan Sontag se acostumou a ouvir neste ano de 2003, em que completou 70 anos.

A pensadora se transformou em um alvo nos Estados Unidos por suas críticas à invasão do Iraque, aos meios de comunicação americanos, às explicações do FBI (a polícia federal do país) sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 e à política de Israel em relação aos palestinos.

No meio de tanta polêmica, Sontag, que é judia, conquistou prêmios importantes por sua produção literária: na semana passada, recebeu o Príncipe de Astúrias de Letras, na Espanha e, semanas antes, o prestigioso prêmio da Paz da Associação de Editores da Alemanha.

Em entrevista à BBC Brasil em Madri, durante o lançamento do seu novo livro Regarding the pain of others (Sobre a dor dos outros, em tradução livre), Susan Sontag contou que conheceu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e se declarou uma "grande admiradora" dele.

Leia abaixo a íntegra da entrevista de Susan Sontag à BBC Brasil.

BBC - Que impressão lhe causou o presidente Lula?
Sontag
- Muito boa. Gostei muito do discurso dele em Oviedo e sou uma grande, grande admiradora. A eleição dele no Brasil foi o melhor acontecimento, a coisa mais promissora que o mundo viveu em muito tempo.

O que ele disse na entrega do prêmio Príncipe de Astúrias sobre a redistribuição da riqueza e a postura do Brasil na reunião de Cancún (da Organização Mundial do Comércio) a favor dos países mais pobres foi perfeito. Eu concordo absolutamente com os pontos de vista dele. Só duvido de que seja possível cumprir o que ele deseja. Realmente duvido.

BBC - Por quê?
Sontag
- Porque as instituições políticas e financeiras internacionais não o permitirão. Não é uma questão ética, mas prática. O mundo capitalista não aceita desafios, não se modifica.

Quero pensar que isso não será sempre assim mas, neste momento, acho que não é possível. O único que país que consegue evitar as leis internacionais chama-se Estados Unidos da América.

BBC - Precisamente nos Estados Unidos, a senhora tem atualmente a imagem de antipatriota por criticar a administração Bush depois do 11 de Setembro e da invasão ao Iraque. A senhora é uma grande exceção na sociedade americana?
Sontag
- É verdade que não há escritores americanos que se atrevam ou façam o que eu faço. Mas há outras pessoas que pensam como eu, só que não são tão entrevistadas.

Se você me pergunta sobre minha longa e constante exposição pública das minhas posições políticas, é verdade que pareço uma grande exceção. Mas podemos dizer que o que eu penso é compartilhado por uma enorme minoria nos Estados Unidos.

O problema é que quase ninguém fica sabendo disso porque não aparece nos grandes veículos de comunicação americanos. Mas pode ser visto na internet. Há grandes debates políticos em sites dos Estados Unidos. Só não olhe os sites oficiais, porque ali não há nada.

BBC - O que a senhora acha da cobertura que os veículos de comunicação de seu país fizeram da guerra no Iraque?
Sontag
- Coerente com a sociedade que nós temos atualmente nos Estados Unidos. Há um conceito de público e do que interessa a esse público. É complicado.

Para mim foi algo saturador, irreal e incorreto. Não era a verdade. Era a verdade do que eles consideravam interessante para o público deles. Mas não acho que se possa falar da imprensa de uma forma geral.

Há diferentes veículos e diferentes públicos. Nos Estados Unidos, o que queriam certos veículos de comunicação, era manter o seu conceito de que o julgamento estava feito antes da guerra. Davam o que queriam ver e divulgar.

BBC - A senhora esteve em várias cidades em guerra ou em algum tipo de conflito armado. Como essa experiência marcou sua vida?
Sontag
- Estive no Vietnã, na Bósnia, em Israel e em Sarajevo e vi muitas imagens de horror.
Vi gente sendo morta dias e dias a poucos metros de onde eu morava. Especificamente em Sarajevo, vivi e trabalhei durante três anos em situação de guerra.

Até hoje não há vida normal ali. Não há lojas, não há pessoas andando na rua normalmente, nem escolas, nem luz, nem água, nem telefone, nem nada que dê idéia de vida normal.

Essa experiência pessoal foi o que me levou a escrever este livro, porque é uma questão de consciência moral. Este livro está cheio das minhas imagens de violência e de horror.

Ainda que não seja um livro que fale das vítimas das guerras, mas das pessoas que estão em suas casas ricas e sãs, como nos Estados Unidos. Não é um livro sobre Sarajevo ou Bagdá, mas um alerta para os que consideram que estão a salvo, numa relativa e privilegiada segurança, comparada com a maioria do mundo, que está sob terror e perigo.

BBC - Acha que os que vivem a salvo não tem consciência do que é uma guerra?
Sontag
- Estou convencida disso. Há muita diferença entre as pessoas que conhecem e as que não conhecem de perto uma guerra.

Minha proposta no livro é perguntar: "Ei, você! Você sabe alguma coisa?" É a grande questão do livro. Um problema existencial. Até que ponto nos envolvemos e nos sentimos identificados com as pessoas que sofrem agressões terríveis.

É fácil identificar-nos com quem se parece a nós mesmos, a questão é como você se identifica com quem não se parece com você, nem tem sua cor de pele, nem é da sua família, nem vive no seu bairro ou no seu país.

Deixo essa pergunta ética no livro. E no livro comento uma história que acho que ilustra bem essa situação. É a história de umas pessoas que viajam em uma estrada dentro de um carro. De repente notam que há um terrível acidente na pista e diminuem a velocidade. Passam devagar para ver o acidente.

Querem ver o horror. Não é um sentimento prazeiroso. Não concordo com os que dizem que as pessoas se deleitam com o sofrimento alheio mas, se sentem distantes e seguras em seu carro.

Entendeu? Não sei porque acontece isso. Mas quero que o livro seja parte dessa tomada de consciência sobre a dor dos outros.
 

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