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31/10/2003
-
02h18
da BBC, em Buenos Aires
A "ronda", como é conhecida, repete-se, religiosamente, todas as quintas-feitas, às 15h30, desde antes do retorno da democracia argentina, há exatos 20 anos.
Seja sob chuva ou sob sol forte, lá estão as Mães da Praça de Mayo caminhando em volta da Praça, em frente ao palácio presidencial, no centro da capital argentina, Buenos Aires.
São mulheres de mais de 70 anos de idade, a maioria delas viúva e com tristes histórias de filhos perdidos na recente ditadura argentina (1976 a 1983).
Também todas as quintas-feiras, às 20h, no bairro de Almagro, subúrbio de Buenos Aires, outro grupo --este nascido com a democracia-- reúne-se na Associação de Ex-Presos Políticos.
São pelo menos 20 homens e mulheres que estiveram "desaparecidos" durante os "anos de chumbo", mas que sobreviveram aos porões da ditadura e reapareceram em diferentes prisões, após a queda do regime militar.
Além das Mães da Praça de Mayo, das Avós da Praça de Mayo (que perderam filhos e netos) e da Associação de Ex-Presos Políticos, a Argentina dos tempos democráticos conta com a entidade Hijos (filhos de desaparecidos políticos, que ensinam aos próprios filhos sobre o passado de atrocidades).
A democracia também deu origem a movimentos sociais, como os piqueteiros (que protestam contra outro mal, o desemprego).
Atração turística
Mas é o ato das Mães da Praça de Mayo que atrai turistas do mundo inteiro. A caminhada silenciosa é geralmente interrompida pelos aplausos dos argentinos e estrangeiros.
Eles as vêem passar, em duas diferentes filas, usando lenços brancos na cabeça --simbolizando a fralda--, ostentando a foto do filho perdido no pescoço e uma faixa nas cores azul e branca, pedindo justiça.
As Mães da Praça de Mayo começaram a realizar a manifestação seis anos antes da volta da democracia, em 1983.
Na época, elas eram mais de 100 mulheres vindas de todo o país, desesperadas por informações sobre o paradeiro de seus filhos.
Hoje, nestas caminhadas, é possível contar 15 delas erguendo a faixa das Mães da chamada "linha fundadora" e outras dez da dissidência do grupo, após divergências que tiveram nos anos 90.
Algumas morreram, outras estão doentes. Portanto, para que o movimento sobreviva, elas e as Avós da Praça de Mayo incentivaram e apoiaram a criação da entidade Hijos.
Filhos de desaparecidos
Muitos deles já são pais e prometem ensinar sobre o passado a seus próprios filhos --o caso de Humberto, de 28 anos, pai de uma menina de quatro anos, e que recentemente recebeu uma caixa com os restos mortais da própria mãe, Liliana Sofia Barrios, desaparecida durante 26 anos.
"Para mim, é importante que meus filhos saibam o que aconteceu com a avó e com a história do nosso próprio país", diz Humberto.
Na semana passada, a "Mãe" e "Avó" da Praça de Mayo, Mirta Baravalle, de 78 anos, interrompeu a tradicional caminhada para contar sua própria história e dizer como vê a Argentina 20 anos depois de iniciada a democracia.
"Eu era uma simples dona de casa, que cuidava do marido e dos filhos, quando minha filha mais velha, Ana Maria, então com 28 anos, desapareceu", diz Baravalle.
"Ela estava grávida de cinco meses. Jamais soubemos do paradeiro dela, do marido, Júlio César Galizzi, e do meu neto. E confesso que também jamais imaginei chegar à velhice como líder dos direitos humanos, lutando por justiça."
Mirta e o marido tiveram quatro filhos, mas, como lembra, ele não suportou a dor da perda da filha, estudante de sociologia.
Assim como outras mulheres que perderem filhos e netos na chamada "guerra suja", nos últimos tempos Mirta participou de protestos contra a globalização, o desemprego e esteve até na selva colombiana, para conhecer o movimento zapatista.
Na casa onde os ex-presos políticos se reúnem semanalmente, o sentimento também é o de que ainda falta justiça.
Mônica Cristina, de 59 anos, conta que perdeu dois irmãos para os ditadores. Roberto, então com 37 anos, era estudante de sociologia, e Eleonora Liliana Cristina, então com 24 anos.
Para Mônica, assim como para as Mães e Avós da Praça de Mayo, a democracia só será "completa" quando o país acabar com a "impunidade" aos algozes de seus familiares.
Parentes de desaparecidos mantêm viva a memória das atrocidades na Argentina
MARCIA CARMOda BBC, em Buenos Aires
A "ronda", como é conhecida, repete-se, religiosamente, todas as quintas-feitas, às 15h30, desde antes do retorno da democracia argentina, há exatos 20 anos.
Seja sob chuva ou sob sol forte, lá estão as Mães da Praça de Mayo caminhando em volta da Praça, em frente ao palácio presidencial, no centro da capital argentina, Buenos Aires.
São mulheres de mais de 70 anos de idade, a maioria delas viúva e com tristes histórias de filhos perdidos na recente ditadura argentina (1976 a 1983).
Também todas as quintas-feiras, às 20h, no bairro de Almagro, subúrbio de Buenos Aires, outro grupo --este nascido com a democracia-- reúne-se na Associação de Ex-Presos Políticos.
São pelo menos 20 homens e mulheres que estiveram "desaparecidos" durante os "anos de chumbo", mas que sobreviveram aos porões da ditadura e reapareceram em diferentes prisões, após a queda do regime militar.
Além das Mães da Praça de Mayo, das Avós da Praça de Mayo (que perderam filhos e netos) e da Associação de Ex-Presos Políticos, a Argentina dos tempos democráticos conta com a entidade Hijos (filhos de desaparecidos políticos, que ensinam aos próprios filhos sobre o passado de atrocidades).
A democracia também deu origem a movimentos sociais, como os piqueteiros (que protestam contra outro mal, o desemprego).
Atração turística
Mas é o ato das Mães da Praça de Mayo que atrai turistas do mundo inteiro. A caminhada silenciosa é geralmente interrompida pelos aplausos dos argentinos e estrangeiros.
Eles as vêem passar, em duas diferentes filas, usando lenços brancos na cabeça --simbolizando a fralda--, ostentando a foto do filho perdido no pescoço e uma faixa nas cores azul e branca, pedindo justiça.
As Mães da Praça de Mayo começaram a realizar a manifestação seis anos antes da volta da democracia, em 1983.
Na época, elas eram mais de 100 mulheres vindas de todo o país, desesperadas por informações sobre o paradeiro de seus filhos.
Hoje, nestas caminhadas, é possível contar 15 delas erguendo a faixa das Mães da chamada "linha fundadora" e outras dez da dissidência do grupo, após divergências que tiveram nos anos 90.
Algumas morreram, outras estão doentes. Portanto, para que o movimento sobreviva, elas e as Avós da Praça de Mayo incentivaram e apoiaram a criação da entidade Hijos.
Filhos de desaparecidos
Muitos deles já são pais e prometem ensinar sobre o passado a seus próprios filhos --o caso de Humberto, de 28 anos, pai de uma menina de quatro anos, e que recentemente recebeu uma caixa com os restos mortais da própria mãe, Liliana Sofia Barrios, desaparecida durante 26 anos.
"Para mim, é importante que meus filhos saibam o que aconteceu com a avó e com a história do nosso próprio país", diz Humberto.
Na semana passada, a "Mãe" e "Avó" da Praça de Mayo, Mirta Baravalle, de 78 anos, interrompeu a tradicional caminhada para contar sua própria história e dizer como vê a Argentina 20 anos depois de iniciada a democracia.
"Eu era uma simples dona de casa, que cuidava do marido e dos filhos, quando minha filha mais velha, Ana Maria, então com 28 anos, desapareceu", diz Baravalle.
"Ela estava grávida de cinco meses. Jamais soubemos do paradeiro dela, do marido, Júlio César Galizzi, e do meu neto. E confesso que também jamais imaginei chegar à velhice como líder dos direitos humanos, lutando por justiça."
Mirta e o marido tiveram quatro filhos, mas, como lembra, ele não suportou a dor da perda da filha, estudante de sociologia.
Assim como outras mulheres que perderem filhos e netos na chamada "guerra suja", nos últimos tempos Mirta participou de protestos contra a globalização, o desemprego e esteve até na selva colombiana, para conhecer o movimento zapatista.
Na casa onde os ex-presos políticos se reúnem semanalmente, o sentimento também é o de que ainda falta justiça.
Mônica Cristina, de 59 anos, conta que perdeu dois irmãos para os ditadores. Roberto, então com 37 anos, era estudante de sociologia, e Eleonora Liliana Cristina, então com 24 anos.
Para Mônica, assim como para as Mães e Avós da Praça de Mayo, a democracia só será "completa" quando o país acabar com a "impunidade" aos algozes de seus familiares.
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