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01/12/2003 - 16h29

Documentário mostra Pablo Escobar como herói e bandido

VALQUÍRIA REY
da BBC, em Bogotá

Passados dez anos da morte de Pablo Escobar (1949-1993), o fantasma do mais famoso traficante de cocaína colombiano ainda está vivo.

Enquanto os seus admiradores se negam a acreditar que ele tenha sido assassinado em 2 de dezembro de 1993, outros o culpam por todos os problemas que ocorrem no país.

O cineasta Sergio Cabrera tentou mostrar um retrato único sobre ele no documentário "Cidadão Escobar", finalizado recentemente. Mas a sua tentativa foi frustrada.

"Foi impossível encontrar apenas uma verdade. À medida que fui filmando os mais de 80 depoimentos de familiares, amigos, inimigos, escritores, jornalistas, policiais e governantes, me dei conta de que a verdade está em todas as partes. Todos têm sua própria versão", conta.

"Algumas pessoas pensam que ele é um santo, um homem maravilhoso. Outros, ao contrário, lembram da sua infinita capacidade para fazer o mal e dizem que ele é o pior criminoso da história do país."

"Nasceu bandido"

Cabrera afirma que escolheu o título depois de assistir a várias entrevistas de Escobar. Nelas, afirmava querer ser conhecido apenas como uma cidadão nascido em Medellín, que sonhava com um futuro melhor.

Segundo o diretor, o título é também uma pequena homenagem a "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, que conta a história de um magnata das comunicações.

"A exemplo de Kane, Pablo Escobar foi um homem muito poderoso", diz.

"Conseguiu controlar um país e, por causa dele, foi mudada a Constituição, a economia e a arquitetura da Colômbia."

No primeiro documentário sobre o narcotraficante feito por um diretor colombiano, o escritor e jornalista Germán Castro conta que Escobar começou cedo no crime.

Segundo Castro, quando Escobar era adolescente, costumava roubar as provas da escola para vendê-las aos alunos.

"Ele nunca vendia todas as questões a uma mesma pessoa, para evitar que alguém desconfiasse da presença de um bandido por trás disso", lembra o escritor.

"Ele nasceu bandido."

"Humano, afetuoso"

A viúva de Escobar, Maria Victoria Henao, que saiu da casa dos pais aos 15 anos para acompanhá-lo até a morte, discorda.

Ao lembrar que se apaixonou pelo sorriso e pelo olhar dele quanto tinha apenas 13 anos, Maria Victoria diz que as pessoas nunca deram espaço para conhecer a verdadeira história sobre o seu marido. De acordo com ela, todos estão julgando o que não conhecem.

"O lado humano de Escobar era muito grande", disse Cabrera, que já ganhou vários prêmios em edições do Festival de Cinema de Gramado.

"Sua família o amava e segue amando-o muito. Em geral, Escobar é visto por eles como uma pessoa muito afetuosa, bom pai, irmão, marido e filho. Ele tinha uma maneira de ser que agradava as pessoas."

A irmã do narcotraficante, Alba Escobar, disse que, no início, não sabia que vender cocaína era ilegal.

"Eu só descobri que o narcotráfico era um mal quando apareceram as reportagens na imprensa e começaram a perseguir nossa família", disse.

"Sinceramente, eu pensei que era bom. De verdade!"

Períodos

Um homem que trabalhou para Escobar, e que não quis ser identificado no filme, lembra da crueldade com que ele matava quem traía sua confiança.

De acordo com ele, certa vez, Escobar amarrou os pés e as mãos de um homem e o jogou numa piscina, porque desconfiava que ele teria lhe roubado o equivalente a R$ 3.000 ou R$ 4.000.

Depois de matá-lo afogado, ameaçou todo o mundo, dizendo que o mesmo ocorreria a qualquer um que o traísse.

"Cidadão Escobar" exibe imagens e fotografias dos inúmeros atentados terroristas comandados por ele na Colômbia, de seu período como senador com pretensões à Presidência, comandando uma rede de matadores de aluguel e como o grande chefe do cartel de Medellín.

Aparecem ligações telefônicas interceptadas pelos organismos de inteligência colombianos e americanos com Escobar ameaçando seus inimigos de morte.

"Eles pensam que não temos como responder? Vou matar a mãe, o pai, a mulher, os filhos, a avó", diz Escobar numa das mensagens dirigidas ao coronel Hugo Martínez Poveda, que chefiava o grupo que perseguia o traficante.

O homem que fez da morte um negócio é escutado planejando seus crimes e conversando com os homens que ele conseguiu infiltrar na polícia colombiana.

"Eu não sofria pelas pessoas que precisava matar, mas por suas famílias", diz um matador de aluguel, ainda criança na época em que trabalhava para Escobar, que executou muitas das mais de 500 mortes ordenadas por seu antigo chefe.

Esperteza

O filme mostra também como Escobar conquistou a admiração dos pobres de Medellín, que o consideram um herói.

Como exemplo de algumas de suas boas ações, estão a iluminação de cerca de cem campos de futebol e a construção de um bairro, que leva seu nome, para abrigar pessoas que viviam junto a um lixão.

Cesar Gavíria, presidente da Colômbia quando Escobar foi assassinado e atual secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, destaca a esperteza do narcotraficante.

"O Estado nunca pôde fazer nada contra Escobar", afirma.

"Escobar sempre foi mais audaz, mais eficaz. Nunca se pôde fazer nada contra ele."

Juan Pablo, filho de Escobar, pede desculpas aos que sofreram nas mãos do pai.

"Em seu nome e em sua memória, peço perdão por todo o dano causado por meu pai", disse. "Peço perdão aos que sofreram e seguirão vivendo com uma intensa dor".

Polêmica

"Cidadão Escobar" já recebeu convites para participar de alguns festivais internacionais de cinema.

Segundo Cabrera, o filme vai estrear no próximo ano e deverá causar certa polêmica.

Cabrera afirma que os outros documentários sobre Escobar, feitos por estrangeiros, procuravam distorcer a imagem da Colômbia.

"Em nenhum deles há uma reflexão sobre o preço que os colombianos têm pago por conta do problema do narcotráfico", diz.

"Pablo Escobar sempre foi usado como veículo para mostrar um país terrível."

O cineasta colombiano acredita ter conseguido fazer o contrário.

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