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26/02/2004 - 08h51

Lula chega a Venezuela polarizada contra e favor de Chávez

DENIZE BACOCCINA
da BBC, em Caracas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje à noite a Caracas para participar da reunião de cúpula do G15, em um país dividido e distante do caminho da reconciliação.

O presidente venezuelano, Hugo Cháves, eleito em 1998 e reeleito em 2000 para um mandato de seis anos com 60% dos votos, é tanto amado quanto odiado em seu país.

Analistas temem que a crescente polarização no país pode resultar em novos conflitos, como a greve de dois meses entre dezembro de 2002 e fevereiro do ano passado, que paralisou a economia do país, ou mesmo a tentativa de golpe de Estado, em abril de 2002.

Os que odeiam Chávez dizem que ele está afundando o país que, de fato, teve recessão nos dois últimos anos e uma previsão de crescimento para este ano ainda insuficiente para recuperar o que perdeu.

Polarização

Mas os que o defendem falam dos programas sociais que, pela primeira vez, privilegiam os mais pobres com grandes projetos de saúde e educação.

"É um país extremamente polarizado", diz o cientista social venezuelano Rafael Villa, professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo).

"As classes médias e alta detestam Chávez. Mas as classe média baixa e os mais pobres o adoram. É uma coisa impressionante."

Essa polarização é presente em todos os lugares. Dá para adivinhar pelo nível social se a pessoa vai elogiar ou criticar o presidente.

Democracia

A diferença é que os que apóiam Chávez o fazem livremente, enquanto os que o criticam nem sempre tem coragem de falar publicamente.

Nos bairros mais sofisticados, venezuelanos contam histórias de amigos que fizeram trabalhos para o governo e não receberam porque haviam assinado a lista em favor do referendo.

Num restaurante de Caracas o empresário Fernando Logia diz que acha que não haverá referendo porque todo o poder está nas mãos do governo.

"Não temos democracia", diz. E acha que o governo de Chávez é tão ruim quanto os governos dos 40 anos anteriores.

Petróleo

Numa rua central da cidade, Cleber Juanda tem opinião oposta. "Estou contente porque Chávez representa mudança depois de 40 anos de governos ruins. Votei nele e não me arrependo. Sou Chávez até a morte", diz.

O garçom Fran Mejia repete uma crítica comum. "Ele só fala, aqui tem que fazer." Ele é a favor do referendo. "Para ter democracia tem que apoiar o referendo. Seja para Chávez ganhar ou perder", afirma.

O sociólogo Rafael Villa credita aos programas sociais a popularidade de Chávez com os mais pobres.

Com o petróleo representando quase um terço da receita fiscal do país, 80% das exportações e um quarto do PIB (Produto Interno Bruto), a presença do Estado venezuelano sempre foi muito forte, mas os ganhos do petróleo nunca foram distribuídos entre os mais pobres.

Com 25 milhões de habitantes, a Venezuela tem uma renda per capita de US$ 4 mil maior do que a do Brasil, de US$ 2,8 mil em 2002.

Críticas

"Esse apoio tem dois momentos. Um que se fundamentava no discurso populista e nas expectativas que esse discurso gerava."

"Mas agora esse apoio vem sendo reforçada por uma série de projetos sociais que o governo vem desenvolvendo, e isso certamente tem se traduzido no apoio popular ao presidente venezuelano", afirma Villa.

Entre eles, os mais populares são a alfabetização de adultos que já beneficiou 800 mil pessoas e o médico de bairro, com a participação de 2.000 médicos cubanos que vivem no meio da comunidade que atendem.

Villa salienta que as críticas a Chávez são puramente políticas, e que até agora a oposição fez acusações de corrupção ou de o presidente estaria ferindo a honra do cargo.

Referendo

"A oposição tem motivos políticos. E nisso o presidente Chávez tem responsabilidade, por sua linguagem demasiado dura em determinados momentos", afirma.

O aumento dos gastos com programas sociais nos últimos meses, coincidindo com o processo de referendo, já resultou no aumento da popularidade do presidente.

Uma pesquisa do instituto Indaga, realizada entre 31 de janeiro e primeiro de fevereiro, mostra que 51% das pessoas ouvidas votariam a favor do presidente no referendo, enquanto 48% votariam pela sua saída.

Os opositores não ficaram só na retórica. Aproveitando um artigo da nova Constituição, promulgada por Chávez em 1999, em seu primeiro mandato, que permite a realização de um plebiscito para substituir o presidente a partir da metade do mandato, foram às ruas e dizem ter conseguido 3,5 milhões de assinaturas e favor do referendo.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) colocou 1,1 milhão deles sob observação e prometeu anunciar neste domingo o resultado parcial das assinaturas verificadas até agora.

O elevado número de assinaturas suspeitas, bem maior do que o inicialmente imaginado, levou a uma troca de acusações ainda mais acirrada entre governo e oposição.

Enquanto o governo acusa a oposição de fraude na coleta de assinaturas, a oposição acusa o governo de golpe para evitar o referendo.

Observadores internacionais como o Centro Carter e a OEA (Organização dos Estados Americanos) pressionam o CNE para que divulgue a decisão sobre o referendo no domingo, como foi prometido pelo órgão.

O CNE agora se limita a dizer que vai divulgar um resultado parcial.
Lula

Os sucessivos adiamentos no processo que se iniciou em novembro Cháves completou metade do mandato em 19 de agosto do ano passado só aumentaram as desconfianças de ambos os lados e os receios de que o país pode viver uma nova onda de manifestações a partir da divulgação dos resultados neste domingo.

O presidente venezuelano tentou pegar carona no prestígio do presidente Lula e chegou a visitá-los três vezes somente no primeiro mês de governo do presidente brasileiro, durante uma greve que paralisou a Venezuela por dois meses.

Lula só retribuiu em agosto, numa breve visita de menos de 24 horas depois de uma viagem ao Peru.

O governo brasileiro preside o Grupo de Amigos da Venezuela, também integrado por Estados Unidos, México, Chile, Espanha e Portugal, criado no ano passado para ajudar no diálogo com a oposição e na solução dos conflitos.

Economia

Apesar das críticas e das acusações de que o país apoiou o golpe que o tirou brevemente do poder em 2002, os Estados Unidos são o maior parceiro comercial da Venezuela, responsáveis por 60% das exportações, principalmente petróleo, e 35,8% das importações venezuelanas.

O Brasil é o segundo destino, para onde 5,5% das exportações e o terceiro maior fornecedor, responsável por 4,5% do total.

Quinto maior exportador mundial de petróleo do mundo, a proximidade torna a Venezuela um fornecedor estratégico para os Estados Unidos.

Mas a crise política atingiu em cheio a economia, que vinha crescendo em 2000 e 2001 e voltou a cair em 2002 e 2003.

Desde 1998, o PIB per capita proporcional ao poder de compra caiu 27%.
O PIB total do país, que teve redução de 9% em 2002, caiu mais 9,2% no ano passado, de acordo com os números divulgados na semana passada.

Desemprego

"Este ano certamente haverá crescimento, principalmente agora no primeiro trimestre, mas isso é por causa da base de comparação extremamente fraca", diz o economista Ricardo Amorim, diretor de pesquisa da América Latina da consultoria Idea Global, em Nova York, que escreve relatórios quase diários sobre o país.

Recentemente, por causa do adiamento da decisão sobre o referendo e da percepção de que Chávez pode conseguir adiar a plebiscito além da data possível para a realização das eleições, Amorim reduziu a recomendação de investimento em papéis do país.

Ele lembra, no entanto, que o crescimento de 5,5% previsto para este ano é insuficiente sequer para recuperar as perdas do ano passado, quando o país deixou de aproveitar a alta de preços do petróleo no mercado internacional por causa da greve do início do ano.

"Acreditamos que os problemas políticos vão se intensificar nos próximos meses e isso vai levar a uma redução no ritmo de crescimento e até a uma contração ao longo do ano", afirma.

Assim como no Brasil, o desemprego é um dos maiores problemas do país. A taxa média no país aumentou de 13% em 2001 para 16% em 2002 e subiu para 18,2% no ano passado.

Câmbio

Apesar da instabilidade e da políticas e do discurso hostil ao mercado adotado pelo presidente Chávez, até agora os investidores não fugiram do país.

"A oferta de recursos no mercado internacional é tão grande que os investidores não estão olhando muito para os riscos", disse a economista Silvia Domit, analista da Global Invest.

Com a perspectiva de retomada da economia americana e do aumento das taxas de juros pagas pelo governo daquele país, a tendência é que sobrem menos recursos para investimentos considerados mais arriscados.

Um estudo da Global Invest aponta o bolívar, a moeda venezuelana, como a mais sobrevalorizada do mundo apesar da desvalorização de 20% anunciada há duas semanas pelo governo.

A medida beneficia a economia doméstica, já que a receita em dólares do petróleo gera mais bolívares para uso interno, mas como o câmbio é fixado e a circulação da moeda americana controlada pelo governo, as empresas têm dificuldades para comprar dólares no mercado oficial para saldar suas dívidas.

De 1.920 bolívares no preço oficial, a moeda americana é comercializada por até 3 mil bolívares no câmbio paralelo.

Segundo analistas, isso permite que o governo controle politicamente empresas ao liberar ou não a compra de dólares no mercado oficial.
 

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