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01/06/2004 - 09h33

Análise: Morte de reféns expõe fragilidade do petróleo saudita

LUCY JONES
da BBC, em Londres

A possibilidade de um atentado contra a infra-estrutura de petróleo da Arábia Saudita, formada por refinarias, oleodutos e estações de bombeamento, aumentou os temores sobre possíveis problemas na produção saudita.

Após o episódio do último sábado, quando 22 reféns foram mortos na cidade de Al Khobar, a Arábia Saudita prometeu a um mundo preocupado com o aumento dos preços do petróleo manter o fluxo do produto no mercado internacional.

A estatal Aramco responsável por 95% da produção de petróleo saudita disse que está mais comprometida do que nunca em "fornecer uma fonte confiável de petróleo para aplacar a demanda energética mundial".

"Nenhum barril de nosso petróleo deixou de ser produzido desde o incidente de sábado (29)", disse o consultor saudita Hassan Yassin depois dos dias de cerco.

Preocupação com preços

Analistas dizem que mesmo uma redução limitada na produção do maior produtor mundial de petróleo pode ter conseqüências ainda não conhecidas.

Esse pensamento e a ansiedade que ele provoca devem causar uma elevação ainda maior da cotação do produto nesta terça-feira, quando os mercados de Londres e Nova York reabrem após feriados.

A Arábia Saudita não apenas controla 25% das reservas de petróleo do mundo, dando força à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Ela também tem mais margem de manobra que outros países para aumentar sua produção dentro da cota de produção da Opep, ajudando assim a puxar os preços para baixo.

"Nós estamos preocupados porque esperávamos que eles (os sauditas) viessem a liderar o aumento da produção", disse o presidente da Opep, Purnomo Yusgiantoro.

A Opep deve realizar uma reunião de nível ministerial em Beirute, no Líbano, na quinta-feira, na qual deve ser discutido um aumento da produção para tentar reverter a alta da cotação.

Mas mesmo um acordo em Beirute vai ser ofuscado pela ameaça de futuros ataques.

O ex-funcionário da CIA (inteligência dos EUA) Robert Baer advertiu em seu livro recente Sleeping with the Devil ("Dormindo com o Diabo", em tradução livre), que um ataque coordenado contra cinco ou mais estruturas-chave de seu sistema de produção de petróleo pode colocar os sauditas fora do mercado por até dois anos.

A revolução iraniana de 1979, que resultou em uma perda de 7% da produção, levou o preço do barril a alcançar US$ 80 em valor atual, disse Neil McMahon, da consultoria Bernstein, ao jornal britânico "Financial Times".

Estrangeiros

Também não se sabe ainda se estrangeiros que exploram petróleo na Arábia Saudita iriam continuar trabalhando por lá.

O cerco de sábado é o de uma série de ataques; em maio do ano passado, ativistas suicidas atacaram três complexos residenciais de Riad matando 35 pessoas incluindo os nove suicidas.

A embaixada britânica na capital saudita advertiu que mais ataques podem ocorrer.

Agentes imobiliários no Bahrein (um pequeno país do golfo Pérsico) dizem estar respondendo a muitas perguntas de estrangeiros que vivem na Arábia Saudita e estão pensando em se mudar para o país vizinho.

A falta de segurança pode ainda desestimular investimentos estrangeiros, com o projeto de US$ 2 bilhões assinado em novembro entre a multinacional Shell, a empresa Total e os sauditas, com o objetivo de desenvolver a exploração da imensa reserva de gás natural saudita.

As duas empresas são as primeiras do ocidente a ganhar o direito de explorar reservas energéticas na Arábia Saudita desde que o setor foi nacionalizado, em 1975.

Mas muitos analistas dizem que, embora os preços do petróleo possam subir como reflexo do cerco de sábado, o impacto econômico em longo prazo do que ocorreu será pequeno.

"Uma reação psicológica limitada" poderia ocorrer nos mercados, mas isso não iria afetar o fornecimento, disse o estrategista do banco de investimentos Merryl Lynch Michael Rothman ao diário "The Wall Street Journal".

"O ataque representa um certo choque para os preços, mas as coisas devem se acalmar de novo", disse Peter Gignoux, conselheiro para a área de petróleo da GDP Associates de Nova York.

Aumento da segurança

O governo saudita insiste que suas instalações petrolíferas são seguras.

Milhões de dólares foram investidos na melhoria da segurança do reino e dezenas de suspeitos de serem militantes extremistas foram presos ultimamente.

"Nós temos sido vítimas de ataques por parte de extremistas, sejam eles extremistas religiosos ou seculares (...) desde o começo do Estado", disse Nail al Jubeir, diretor do setor de informações da embaixada saudita em Washington.

"Por isso, temos que proteger todas essas instalações."

Críticos se perguntam como milhares de quilômetros de oleodutos podem estar seguros se complexos residenciais evidentemente não são.

Acredita-se que companhias de petróleo estrangeiras estejam se adaptando ao empregar menos estrangeiros, mais pessoas solteiras e, em alguns casos, mudando escritórios para o Bahrein.

Preocupações econômicas

Mas para que os grupos extremistas sejam menos atraentes para os mais jovens e insatisfeitos sauditas, analistas acreditam que a sociedade do país vai ter que mudar.

A Arábia Saudita é um dos países mais ricos do mundo, mas profundas desigualdades marcam seus 24 milhões de habitantes.

A população teve um crescimento acelerado desde 1980, juntamente com o crescimento da riqueza do país, mas a renda média do saudita caiu de US$ 20 mil para metade disso no mesmo período de tempo.

Concentrando-se no petróleo, o governo tem feito relativamente pouco para incentivar empreendimentos privados.

As exportações sauditas são de US$ 67 milhões por ano, mas só o petróleo responde por US$ 63 milhões desse total, de acordo com a Opep.

Outro detalhe crucial é que se estima que 25% dos sauditas na idade de trabalhar estão desempregados.

Um líder empresarial saudita, Abdulrahman Al Zamil, presidente do Grupo Al Zamil, disse à rede de TV americana ABC que o desemprego pode levar à militância e reforçar um movimento de oposição desestabilizante para o governo.

"Eu não estou preocupado com o desemprego por causa do terrorismo. Eu estou falando de instabilidade política (...) Eu não quero ver sauditas desempregados realizando protestos nas ruas", disse.

Alguns analistas dizem que a população subempregada e que está ficando mais jovem 70% dos sauditas têm menos de 30 anos já rejeitou a militância.

Há uma visão comum entre observadores de que apenas profundas reformas políticas e econômicas, além de uma melhora da situação como um todo no Oriente Médio, poderão frear o aumento do número de pessoas dispostas a morrer na realização de ataques como o de sábado.

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