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07/06/2004 - 16h43

Londres é destino de quem foge de preconceito sexual

CAROLINA GLYCERIO
da BBC, em Londres

O dançarino Everaldo Pereira, de Aracaju, mora em Londres há três anos e diz que muda o seu comportamento toda vez que vai visitar a sua cidade natal.

"Não posso andar de mãos dadas com o meu namorado, usar as roupas que eu uso aqui. [Quem faz isso] leva porrada", diz Everaldo. "Me sinto um peixe fora d'água."

Como Everaldo, outros homossexuais brasileiros escolheram Londres para viver em parte porque não eram aceitos ou não conseguiam levar uma vida normal por causa da discriminação.

Além de oferecer um ambiente mais tolerante, a capital britânica conta com um amplo circuito gay de bares, restaurantes e boates, que lhe vale a fama de atual meca dos homossexuais.

"San Francisco tinha esse papel nos anos 80, mas isso se perdeu um pouco por causa da Aids. Sydney é um centro gay, mas não tem o tamanho nem a projeção de Londres", diz Antonio Pasolini, colunista da revista "Time Out", o principal guia semanal de Londres.

"Exilados sexuais"

Pasolini acredita que exista "um motivo interior" por trás da decisão dos gays brasileiros que vêm morar em Londres. "Eu acho que tem uma coisa de você buscar uma forma de ser você mesmo, para usar um clichê."

O antropólogo português Miguel Val de Almeida diz que é comum centros cosmopolitas serem usados como "refúgios" da comunidade gay.

"Essa tendência sempre existiu na comunidade gay e lésbica, uma espécie de migração sexual, que é a busca de locais onde a pessoa possa viver com decência e com condições de cidadania", diz Almeida, ele próprio um ativista dos direitos de homossexuais.

A responsável por América Latina da Comissão de Direitos Humanos para Gays e Lésbicas, Alejandra Sarda, afirma que o Brasil é melhor do que o resto da região no que diz respeito a liberdade sexual individual.

"O Brasil é o único da América Latina onde homossexuais têm direito a herdar os bens do parceiro."

Além disso, foi o governo brasileiro quem propôs, no ano passado, uma resolução na ONU (Organização das Nações Unidas) para que a discriminação sexual seja considerada uma violação de direitos humanos.

A votação do texto foi adiada, mas virou uma bandeira de grupos ativistas como a Associação Internacional de Gays e Lésbicas (Ilga).

Europa

O problema aparece quando se compara o Brasil com a Europa, onde, diz Sarda, existe uma tradição de valorização de direitos civis muito mais antiga do que os latino-americanos.

"As pessoas podem não matar você [por ser gay], mas com certeza vão olhar para você. Se você quiser ser anônimo, é melhor viver na Europa."

E, nos casos mais extremos, as pessoas podem, sim, ser mortas. De acordo com as estatísticas oficiais, pelo menos 2.092 homossexuais foram mortos no Brasil entre 1963 e 2001 nos chamados crimes de ódio --muitos deles nas mãos da polícia.

Esse dado aliado a um estudo feito pela Unesco sobre a discriminação sexual no Brasil levaram o governo a lançar a campanha Brasil contra a Homofobia. O estudo da Unesco revela, entre outras coisas, que 15% das crianças acham que o homossexualismo é doença e uma em cada quatro não quer ter colegas de classe que sejam gays.

O objetivo da campanha é justamente educar vários setores da sociedade --estudantes, policiais, médicos e administradores se empresas-- sobre os direitos dos homossexuais.

Mais do que os ataques propriamente ditos, que ocorrem num número relativamente pequeno, o que gays e lésbicas brasileiros temem é a censura dos outros e, para evitar problemas, muitas vezes acabam escondendo a sua opção sexual.

À vontade

As namoradas Cristiana e Fernanda estão em Londres há um ano em meio e dizem se sentir à vontade para se abraçar e se beijar em público, coisas que, contam, nunca fariam em Salvador, sua cidade natal.

"Ver outros [homossexuais] demonstrando afeto em público nos encoraja a agir naturalmente", diz Cristiana.

Embora as duas estejam trabalhando e estudando inglês, Fernanda diz que foi a censura da família a maior razão de sua ida para Londres, ou pelo menos, pelo fato de ainda não terem voltado.

Ela diz que nunca contou aos seus amigos que estava tendo um relacionamento com Cristiana. "Já estava sendo compliicado demais com a minha família, não tinha estrutura para aguentar mais."

As duas moram na mesma casa em que outro casal homossexual: Matheus e Alessandro, que também deixaram o Brasil em meio a um grande drama familiar e a boatos.

"Algumas pessoas diziam que estávamos indo para Londres para nos casar, outras diziam que vínhamos para cá para morrer em paz porque tínhamos Aids", diz Matheus.

Diferenças regionais

A situação é melhor em São Paulo e no Rio de Janeiro do que no resto do país e a cultura gay está se fortalecendo em outras cidades, como Florianópolis.

Segundo André Fischer, diretor do Brasil Mix, o maior site de gays, lésbicas e simpatizantes do país, os gays que freqüentam o centro de São Paulo não têm uma vida tão diferente da de quem vive em Londres.

"Eu acho que pelo menos nessa ilhazinha da fantasia em que a gente vive aqui na região mais central --Paulista, Jardins, Consolação-- não tem muita diferença em relação a Londres em termos de comportamento, da forma como você pode expressar a sua afetividade. A diferença é que a gente está falando de uma região muito pequena."

Mesmo nas grandes cidades e em círculos mais abertos de cidades pequenas, no entanto, é difícil para um gay no Brasil se livrar do estigma.

"A gente tinha muitos amigos heterossexuais no Brasil, mas era o tipo de gente que achava bacana ter um amigo gay, mas no final das contas, são pessoas que não me respeitavam", diz Matheus.

Segundo Matheus, é preciso assumir um determinado personagem para ser aceito num grupo heterossexual. "Você precisa ser engraçado, escrachado, quase vulgar."

"No Brasil, tem um arquivo das pessoas", afirma Alessandro. "Quando você apresenta uma pessoa, você tem que apresentar todo o arquivo dela, o que aqui não acontece porque as pessoas não estão interessadas nisso."
 

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