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18/06/2004
-
05h27
da BBC, em São Paulo
Delegados de países que participam da 11ª Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em São Paulo, querem que o discurso brasileiro em defesa dos países em desenvolvimento seja acompanhado por uma maior abertura do mercado nacional aos produtos de seus países.
"É fundamental para o progresso efetivo de todos a incorporação ao sistema multilateral de comércio de setores em que os países em desenvolvimento são mais competitivos", declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no discurso de abertura da conferência.
Mas, para alguns países, enquanto o Brasil reclama que não tem acesso aos mercados dos países desenvolvidos, fecha seu mercado com barreiras protecionistas a produtos de nações menos desenvolvidas.
O embaixador de Bangladesh em Genebra, Toufiq Ali, reclama que o Brasil sobretaxou há cinco anos suas importações de juta, um dos principais produtos de exportação desse país do sul da Ásia, que tem 147 milhões de habitantes e renda per capita de US$ 360 ao ano, quase 13% da renda per capita brasileira.
"Apenas dois países abriram investigações antidumping e sobretaxaram produtos de Bangladesh: Índia e Brasil. Nós somos insignificantes para esses dois mercados", protesta Ali. "Se isso é um exemplo de como o Brasil vai tratar os demais membros da nossa comunidade, receio que vocês não poderão exercer a liderança que desejam."
Idéias e ações
O embaixador pede uma "mudança de mentalidade". Ele teme que grandes países em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Índia e China, estejam reproduzindo no comércio entre nações emergentes as mesmas divisões existentes nas relações Norte-Sul.
"O governo brasileiro, apesar de populista, tem idéias muito interessantes. E, se o presidente Lula quiser ser a voz do mundo em desenvolvimento, o Brasil tem que refletir realmente as preocupações dos países emergentes, não apenas as suas próprias", avalia o embaixador bengalês. "O Brasil tem recursos, capacidade tecnológica e estatura internacional para transformar idéias em ações, mas deve levar os países mais fracos consigo."
Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, as críticas de que o Brasil se comporta como um país rico e protecionista dentro do grupo dos países em desenvolvimento não têm fundamento.
Como exemplo, ele cita que o governo brasileiro, "pela primeira vez", vai promover a importação de produtos dos países andinos.
"Não tenho dúvidas de que vai haver a integração da América do Sul. Melhor que seja pelas via legais do que através do contrabando e do tráfico de drogas", avalia Amorim.
"E, se nós comprarmos produtos agrícolas deles, por exemplo, depois venderemos equipamentos agrícolas. É melhor crescermos juntos."
Voz necessária
O chanceler brasileiro afirmou que o Brasil não teme a competição dos países menos desenvolvidos. "Entendemos que eles precisam mais do nosso mercado do que precisamos deles."
Entre alguns representantes africanos, a iniciativa brasileira é mais bem vista, mas os delegados dizem que ainda há espaço para melhoras.
"O Brasil, como uma grande potência econômica, pode falar em nome do Terceiro Mundo e dar o exemplo, investindo no Terceiro Mundo e abrindo o mercado para o comércio Sul-Sul", diz Edward Rugumayo, ministro de Turismo, Comércio e Indústria de Uganda. "A partir do momento em que fizer isso, o Brasil se tornará uma voz mais representativa para falar em nosso nome."
"Nós até precisamos disso, mas também queremos que Brasil, África do Sul, China e Índia abram seus mercados", pede o ministro de Uganda.
Elogios
Em tom mais diplomático, o ministro do Comércio de Angola, Vitorino Rossi, classifica a liderança brasileira como positiva.
"É uma voz audível e com credibilidade", define Rossi.
O ministro de Angola, entretanto, reconhece que as relações comerciais podem ser mais estreitas.
"Em termos de barreiras e tarifas, a situação é satisfatória, mas pode ser melhorada. A cooperação Sul-Sul tem que ser positiva e congregar as vontades de todos os países, para termos um equilíbrio entre aqueles que estão em diferentes estágios de desenvolvimento."
Para Rossi, não é a falta de acesso a mercado, mas a baixa qualidade de produto e falta de assistência que impede a entrada de mercadorias angolanas no Brasil.
Mas os comentários dos delegados não se resumem a críticas. A liderança brasileira é bem vista por Filipinas e Canadá.
"O Brasil sempre foi um líder do mundo em desenvolvimento e acho que é um papel bem reconhecido", diz Enrique Manalo, embaixador filipino em Genebra.
"Não sei se ele representa o Terceiro Mundo como um todo, mas o Brasil é um macrocosmo que reflete as condições que temos em nossos países numa escala muito maior. Por isso é muito fácil nos identificarmos com o Brasil."
Assumindo seu papel
O diretor de política econômica da Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá, Mark Gawn, acredita que o Brasil tem um papel fundamental na defesa dos interesses do mundo em desenvolvimento.
"Já era hora de o Brasil assumir seu papel. Apreciamos principalmente a maneira como o presidente Lula está se aproximando dos demais países em suas viagens", afirma Gawn.
Para ele, as visitas à China e Índia foram importantes passos diplomáticos.
Gawn acredita que essas iniciativas dão mais espaço para o Brasil nas discussões mundiais e que o governo brasileiro representa os anseios do mundo em desenvolvimento.
Mas, segundo o representante canadense, o mais importante é o amadurecimento brasileiro.
"É acima de tudo uma voz brasileira. Estamos vendo o Brasil tomar seu devido lugar no cenário mundial", avalia Gawn.
Ciclo vicioso
Discursos à parte, mesmo que as barreiras comerciais entre os países em desenvolvimento caiam da noite para o dia, algo que os diplomatas são unânimes em dizer que não é possível, essas nações ainda terão que enfrentar a falta de infra-estrutura em transportes.
O transporte de mercadorias entre Brasil e África, por exemplo, atualmente tem que ser feito via Europa ou Estados Unidos.
O chanceler Celso Amorim disse que um dos méritos de reuniões como a Unctad é ser um foro de discussões que aproxima os países e propicia, mais tarde, o surgimento de novas iniciativas.
"A infra-estrutura preocupa, mas em algum momento vamos ter que quebrar esse ciclo vicioso de 'não ter comércio porque não tem transporte' e 'não ter transporte porque não tem comércio'. Mas não é tudo tão rápido
quanto gostaríamos."
Como exemplo, o diplomata citou a abertura de vôos comerciais entre Brasil e África do Sul, que passaram de dois para oito por semana.
Especial
Arquivo: veja o que já foi publicado sobre a conferência da ONU
Países pobres querem que Brasil abra mercados para liderar grupo
ALEXANDRE MATA TORTORIELLOda BBC, em São Paulo
Delegados de países que participam da 11ª Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em São Paulo, querem que o discurso brasileiro em defesa dos países em desenvolvimento seja acompanhado por uma maior abertura do mercado nacional aos produtos de seus países.
"É fundamental para o progresso efetivo de todos a incorporação ao sistema multilateral de comércio de setores em que os países em desenvolvimento são mais competitivos", declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no discurso de abertura da conferência.
Mas, para alguns países, enquanto o Brasil reclama que não tem acesso aos mercados dos países desenvolvidos, fecha seu mercado com barreiras protecionistas a produtos de nações menos desenvolvidas.
O embaixador de Bangladesh em Genebra, Toufiq Ali, reclama que o Brasil sobretaxou há cinco anos suas importações de juta, um dos principais produtos de exportação desse país do sul da Ásia, que tem 147 milhões de habitantes e renda per capita de US$ 360 ao ano, quase 13% da renda per capita brasileira.
"Apenas dois países abriram investigações antidumping e sobretaxaram produtos de Bangladesh: Índia e Brasil. Nós somos insignificantes para esses dois mercados", protesta Ali. "Se isso é um exemplo de como o Brasil vai tratar os demais membros da nossa comunidade, receio que vocês não poderão exercer a liderança que desejam."
Idéias e ações
O embaixador pede uma "mudança de mentalidade". Ele teme que grandes países em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Índia e China, estejam reproduzindo no comércio entre nações emergentes as mesmas divisões existentes nas relações Norte-Sul.
"O governo brasileiro, apesar de populista, tem idéias muito interessantes. E, se o presidente Lula quiser ser a voz do mundo em desenvolvimento, o Brasil tem que refletir realmente as preocupações dos países emergentes, não apenas as suas próprias", avalia o embaixador bengalês. "O Brasil tem recursos, capacidade tecnológica e estatura internacional para transformar idéias em ações, mas deve levar os países mais fracos consigo."
Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, as críticas de que o Brasil se comporta como um país rico e protecionista dentro do grupo dos países em desenvolvimento não têm fundamento.
Como exemplo, ele cita que o governo brasileiro, "pela primeira vez", vai promover a importação de produtos dos países andinos.
"Não tenho dúvidas de que vai haver a integração da América do Sul. Melhor que seja pelas via legais do que através do contrabando e do tráfico de drogas", avalia Amorim.
"E, se nós comprarmos produtos agrícolas deles, por exemplo, depois venderemos equipamentos agrícolas. É melhor crescermos juntos."
Voz necessária
O chanceler brasileiro afirmou que o Brasil não teme a competição dos países menos desenvolvidos. "Entendemos que eles precisam mais do nosso mercado do que precisamos deles."
Entre alguns representantes africanos, a iniciativa brasileira é mais bem vista, mas os delegados dizem que ainda há espaço para melhoras.
"O Brasil, como uma grande potência econômica, pode falar em nome do Terceiro Mundo e dar o exemplo, investindo no Terceiro Mundo e abrindo o mercado para o comércio Sul-Sul", diz Edward Rugumayo, ministro de Turismo, Comércio e Indústria de Uganda. "A partir do momento em que fizer isso, o Brasil se tornará uma voz mais representativa para falar em nosso nome."
"Nós até precisamos disso, mas também queremos que Brasil, África do Sul, China e Índia abram seus mercados", pede o ministro de Uganda.
Elogios
Em tom mais diplomático, o ministro do Comércio de Angola, Vitorino Rossi, classifica a liderança brasileira como positiva.
"É uma voz audível e com credibilidade", define Rossi.
O ministro de Angola, entretanto, reconhece que as relações comerciais podem ser mais estreitas.
"Em termos de barreiras e tarifas, a situação é satisfatória, mas pode ser melhorada. A cooperação Sul-Sul tem que ser positiva e congregar as vontades de todos os países, para termos um equilíbrio entre aqueles que estão em diferentes estágios de desenvolvimento."
Para Rossi, não é a falta de acesso a mercado, mas a baixa qualidade de produto e falta de assistência que impede a entrada de mercadorias angolanas no Brasil.
Mas os comentários dos delegados não se resumem a críticas. A liderança brasileira é bem vista por Filipinas e Canadá.
"O Brasil sempre foi um líder do mundo em desenvolvimento e acho que é um papel bem reconhecido", diz Enrique Manalo, embaixador filipino em Genebra.
"Não sei se ele representa o Terceiro Mundo como um todo, mas o Brasil é um macrocosmo que reflete as condições que temos em nossos países numa escala muito maior. Por isso é muito fácil nos identificarmos com o Brasil."
Assumindo seu papel
O diretor de política econômica da Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá, Mark Gawn, acredita que o Brasil tem um papel fundamental na defesa dos interesses do mundo em desenvolvimento.
"Já era hora de o Brasil assumir seu papel. Apreciamos principalmente a maneira como o presidente Lula está se aproximando dos demais países em suas viagens", afirma Gawn.
Para ele, as visitas à China e Índia foram importantes passos diplomáticos.
Gawn acredita que essas iniciativas dão mais espaço para o Brasil nas discussões mundiais e que o governo brasileiro representa os anseios do mundo em desenvolvimento.
Mas, segundo o representante canadense, o mais importante é o amadurecimento brasileiro.
"É acima de tudo uma voz brasileira. Estamos vendo o Brasil tomar seu devido lugar no cenário mundial", avalia Gawn.
Ciclo vicioso
Discursos à parte, mesmo que as barreiras comerciais entre os países em desenvolvimento caiam da noite para o dia, algo que os diplomatas são unânimes em dizer que não é possível, essas nações ainda terão que enfrentar a falta de infra-estrutura em transportes.
O transporte de mercadorias entre Brasil e África, por exemplo, atualmente tem que ser feito via Europa ou Estados Unidos.
O chanceler Celso Amorim disse que um dos méritos de reuniões como a Unctad é ser um foro de discussões que aproxima os países e propicia, mais tarde, o surgimento de novas iniciativas.
"A infra-estrutura preocupa, mas em algum momento vamos ter que quebrar esse ciclo vicioso de 'não ter comércio porque não tem transporte' e 'não ter transporte porque não tem comércio'. Mas não é tudo tão rápido
quanto gostaríamos."
Como exemplo, o diplomata citou a abertura de vôos comerciais entre Brasil e África do Sul, que passaram de dois para oito por semana.
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