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04/02/2005 - 09h08

Análise: Na defesa da democracia, Bush se inspira em ex-dissidente

CAIO BLINDER
da BBC, em Nova York

Para sucessivos presidentes americanos durante a Guerra Fria, um gigante moral era Aleksander Solzhenitsyn com suas eloqüentes denúncias sobre o Gulag comunista.

Para George W. Bush, uma musa de inspiração é o diminuto Natan Sharansky, ex-dissidente soviético, ex-preso político na Sibéria e atual ministro do governo Sharon, em Israel.

Uma cruzada democrática, em particular no Oriente Médio, tornou-se a pedra-de-toque da mensagem de Bush, o que ficou mais uma vez evidente no discurso de quarta-feira sobre o Estado da União.

O presidente se diz eletrizado com o mais recente livro de Sharansky e está ajudando como ninguém a sua venda. Político que se orgulha do seu anti-intelectualismo, Bush revelou que leu avidamente a obra do ex-dissidente e está comprando cópias para os amigos.

Ele inclusive mandou um exemplar para o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, seu grande aliado.

O ponto central do livro de Sharansky é que o "mundo livre" deveria encorajar países a se democratizar ao estabelecer um vínculo, por exemplo, entre ajuda econômica e respeito aos direitos humanos.

O absolutismo moral do ex-dissidente soviético, que faz uma divisão entre "sociedades livres" e "sociedades do medo", fascinou Bush e gera ceticismo entre aqueles com uma visão mais cínica ou realista do cenário político.

Mas Sharansky insiste que a intransigência moral e uma vigilância cerrada na questão dos direitos humanos levaram ao colapso do império soviético.

Ele diz que as receitas da Guerra Fria devem ser repetidas no Oriente Médio. Para Sharansky, somente através da democratização da sociedade palestina e no mundo árabe será possível forjar uma paz genuína na região.

Críticos palestinos e pacifistas israelenses acusam Sharansky de incoerência, pois, enquanto era um campeão das denúncias das brutalidades do Gulag soviético, ele fecha os olhos à corrupção moral que significa a ocupação por Israel de territórios palestinos.

Outra observação é que este paladino dos nobres princípios se dobrou à realidade política e já participou de governos israelenses, tanto de esquerda como de direita, como advogado dos interesses dos judeus russos no país.

Mas Sharansky nega que seja parte do establishment e muito menos fisiológico. Ele se considera um perpétuo e idealista dissidente. Gosta de dizer que "hoje eu sou chamado de extremista de direita. Amanhã, serei chamado de extremista de esquerda".

E de fato, ele pode disparar para qualquer lado. Sharansky nunca poupou críticas ao clã presidencial Bush.
Criticou o pai por seus esforços para preservar a ex-URSS em nome da estabilidade geopolítica. E o filho porque sua oratória sobre uma onda democrática no Oriente Médio não se estende com todo vigor a aliados americanos como Egito e Arábia Saudita.

E vigor e teimosia são as marcas de Sharansky, a ponto do primeiro-ministro Ariel Sharon considerá-lo impertinente e ingênuo.

Após nove anos na prisão, acusado de traição pelo Kremlin porque queria emigrar para Israel, este matemático ucraniano que assessorava o lendário dissidente Andrei Sakharov foi o primeiro perseguido político libertado na era Gorbachev, em 1986. No cárcere, ele não fazia compromissos e nem reclamava.

No livro, Sharansky diz que o pragmatismo na política e a busca da estabilidade são desculpas esfarrapadas para "abraçar autocratas, mimar ditadores e cortejar tiranos".

Ele fala muito da necessidade de clareza moral (uma expressão usada freqüentemente por Bush). Mas como o presidente já constatou em sua cruzada democrática, na política existe também uma necessidade de clareza prática.
 

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