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02/03/2005
-
07h58
da BBC Brasil, em Nova York
O presidente americano, George W. Bush, proclama com insistência a causa da democracia no Oriente Médio. Os ventos das mudanças estão soprando do Cairo a Beirute. Uma ordem política congelada está derretendo.
A Casa Branca, porém, evita triunfalismo e assessores do governo se sucedem para minimizar o crédito americano por este esboço de primavera política no mundo árabe. A cautela é sensata porque está aberta uma temporada de perigos e de oportunidades.
Obviamente, o governo Bush assume algum crédito pela mudança de clima. Para Washington, o fervor democrático não é uma postura ingênua, oportunista ou fora do lugar. Significa estar do lado certo da história.
Para provar estariam aí as massas libanesas que foram às ruas, como se estivessem em Kiev, e botaram o governo pró-sírio para correr, deixando o regime de Damasco ainda mais apreensivo com sua situação.
"Basta!"
Há satisfação em Washington com a apreensão em Damasco, o que ajuda a explicar o mais recente espírito de cooperação do regime Assad na campanha contra os insurgentes iraquianos. Mas os assessores da Casa Branca insistem que o que acontece em Damasco, Beirute e no Cairo (com as tímidas propostas de abertura do governo Mubarak) é muito mais conseqüência de uma dinâmica própria do mundo árabe do que das pressões americanas.
Teria muito mais impacto, por exemplo, o processo eleitoral vivido por iraquianos e palestinos no começo do ano. Há muito coragem na capital egípcia, onde algumas centenas de manifestantes se congregaram para gritar o slogan em árabe "kifaya", ou "basta". E, de fato, basta de atrofia política no mundo árabe.
O estágio de mobilização popular no Líbano é muito mais avançado do que no Egito. Ao permitir que as próximas eleições presidenciais tenham múltiplos candidatos, o até agora onipresente Mubarak lançou um ataque preventivo. Como tantos outros autocratas, ele quer manter o controle do processo. Mas isto, evidentemente, não é garantido. Basta dizer que virtualmente ninguém em Washington esperava que as eleições iraquianas tivessem um efeito-cascata tão rápido.
Bagdá
Rapidez significa fragilidade e incerteza. Em Bagdá, há dificuldades para a formação de um governo e a escalada de violência simplesmente aumentou nos últimos dias.
Em Beirute, cristãos maronitas, muçulmanos sunitas e drusos marcham juntos, mas o grupo mais bem organizada é o xiita Hezbollah que, com sua milícia armada, não assistirá passivamente ao enfraquecimento do papel sírio no país.
Um afrouxamento político no Egito poderá resultar no fortalecimento dos fundamentalistas da Fraternidade Muçulmana que, ao contrário de alguns valorosos ativistas liberais, têm apoio das massas.
Isto quer dizer que democracia no Oriente Médio não vai funcionar necessariamente a favor dos interesses americanos. E não custa lembrar que figuras como Hosni Mubarak e a monarquia saudita ainda são as chamadas forças estabilizadoras que trabalham para estes interesses americanos.
Pela lógica, uma democracia genuína não está para ser implantada no Egito e muito menos na Síria ou Arábia Saudita. Mas o colapso de uma ordem política podre poderá ser rápido e surpreendente, como aconteceu no ex-bloco soviético há 15 anos.
Mesmo assim é possível antecipar que no Oriente Médio as transformações serão mais confusas do que na Europa Oriental. Os resultados de uma primavera política prometem ser nebulosos.
Bush evita triunfalismo em mudanças no Oriente Médio
CAIO BLINDERda BBC Brasil, em Nova York
O presidente americano, George W. Bush, proclama com insistência a causa da democracia no Oriente Médio. Os ventos das mudanças estão soprando do Cairo a Beirute. Uma ordem política congelada está derretendo.
A Casa Branca, porém, evita triunfalismo e assessores do governo se sucedem para minimizar o crédito americano por este esboço de primavera política no mundo árabe. A cautela é sensata porque está aberta uma temporada de perigos e de oportunidades.
Obviamente, o governo Bush assume algum crédito pela mudança de clima. Para Washington, o fervor democrático não é uma postura ingênua, oportunista ou fora do lugar. Significa estar do lado certo da história.
Para provar estariam aí as massas libanesas que foram às ruas, como se estivessem em Kiev, e botaram o governo pró-sírio para correr, deixando o regime de Damasco ainda mais apreensivo com sua situação.
"Basta!"
Há satisfação em Washington com a apreensão em Damasco, o que ajuda a explicar o mais recente espírito de cooperação do regime Assad na campanha contra os insurgentes iraquianos. Mas os assessores da Casa Branca insistem que o que acontece em Damasco, Beirute e no Cairo (com as tímidas propostas de abertura do governo Mubarak) é muito mais conseqüência de uma dinâmica própria do mundo árabe do que das pressões americanas.
Teria muito mais impacto, por exemplo, o processo eleitoral vivido por iraquianos e palestinos no começo do ano. Há muito coragem na capital egípcia, onde algumas centenas de manifestantes se congregaram para gritar o slogan em árabe "kifaya", ou "basta". E, de fato, basta de atrofia política no mundo árabe.
O estágio de mobilização popular no Líbano é muito mais avançado do que no Egito. Ao permitir que as próximas eleições presidenciais tenham múltiplos candidatos, o até agora onipresente Mubarak lançou um ataque preventivo. Como tantos outros autocratas, ele quer manter o controle do processo. Mas isto, evidentemente, não é garantido. Basta dizer que virtualmente ninguém em Washington esperava que as eleições iraquianas tivessem um efeito-cascata tão rápido.
Bagdá
Rapidez significa fragilidade e incerteza. Em Bagdá, há dificuldades para a formação de um governo e a escalada de violência simplesmente aumentou nos últimos dias.
Em Beirute, cristãos maronitas, muçulmanos sunitas e drusos marcham juntos, mas o grupo mais bem organizada é o xiita Hezbollah que, com sua milícia armada, não assistirá passivamente ao enfraquecimento do papel sírio no país.
Um afrouxamento político no Egito poderá resultar no fortalecimento dos fundamentalistas da Fraternidade Muçulmana que, ao contrário de alguns valorosos ativistas liberais, têm apoio das massas.
Isto quer dizer que democracia no Oriente Médio não vai funcionar necessariamente a favor dos interesses americanos. E não custa lembrar que figuras como Hosni Mubarak e a monarquia saudita ainda são as chamadas forças estabilizadoras que trabalham para estes interesses americanos.
Pela lógica, uma democracia genuína não está para ser implantada no Egito e muito menos na Síria ou Arábia Saudita. Mas o colapso de uma ordem política podre poderá ser rápido e surpreendente, como aconteceu no ex-bloco soviético há 15 anos.
Mesmo assim é possível antecipar que no Oriente Médio as transformações serão mais confusas do que na Europa Oriental. Os resultados de uma primavera política prometem ser nebulosos.
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