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01/03/2005 - 19h45

União Soviética tinha guia de turismo com dicas para espiões em Londres

DOMINIC CASCIANI
da BBC Brasil

"Onde quer que você vá, nunca esqueça de levar uma bagagem elegante e moderna --e nunca marque encontros em hotéis chiques do West End."

Esse era um dos conselhos secretos passados a espiões comunistas prestes a viver em Londres nos anos 1930 por um guia turístico compilado pela União Soviética.

O guia turístico alternativo de Londres, preparado para facilitar a infiltração na Grã-Bretanha, foi revelado em meio a centenas de documentos do MI5 (serviço secreto interno britânico) liberados para o público pelos Arquivos Nacionais.

O guia aparentemente caiu nas mãos do MI5 durante a Segunda Guerra. O regime nazista havia apreendido os documentos de agentes soviéticos e, quando as autoridades alemães bateram em retirada ao aproximar-se a derrota, a inteligência britânica se apoderou deles.

O guia, uma espécie de revista Time Out (semanário britânico que fornece a programação cultural da cidade) daqueles tempos sem as dicas de compras, lista o que havia para se fazer em Londres, incluindo os melhores lugares para encontros sem levantar suspeitas.

"O West End com a sua vida noturna, grandes hotéis com chefes de Estado estrangeiros e mulheres da sociedade com jóias, tudo isso faz do centro de Londres a área mais fortemente policiada da Inglaterra", escreve o autor desconhecido.

"Não há razões para não utilizar os hotéis desta região, mas é extraordinário que pessoas que deveriam estar mais bem informadas insistam em se encontrar nesta área."

O texto continua: "Não há razões para não morar em South Kensington, mas os encontros podem ser feitos nos bairros adjacentes da Grande Londres", comenta o guia.

"Assim você pode passar tanto a caminho do encontro quanto na volta para casa pela área central, com todas suas lojas, museus, estações de metrô (com várias entradas), para se certificar que não está sendo seguido."

Uma das estratégias era utilizar grandes lojas, como a Liberty em Regent Street, para despistar, entrando e saindo rapidamente de vários departamentos.

Trafalgar Square

Entre os pontos de encontro sugeridos no centro de Londres estavam os túneis da estação de metrô Trafalgar Square e a estátua do Peter Pan em Kensington Gardens.

O autor, porém, preferia localidades mais periféricas como Kew Gardens, Richmond Park, o cinema Embassy em North Harrow, a bilheteria da estação de metrô Pinner e, o mais curioso de todos, o ponto do ônibus 83 em Wembley, na direção de Ealing.

A publicação recomendava os agentes a se associar à AA (associação automobilística britânica), por duas libras anuais, porque o clube prestava assessoria jurídica gratuita nos tribunais em caso de processo ligado a acidentes de trânsito.

A dica não era uma estratégia soviética para economizar dinheiro de advogados, mas sim uma tentativa de evitar ao mínimo qualquer tipo de contato com as autoridades.

Os hotéis eram lugares perigosos para encontros. Alguns, como o Dorchester e o Ritz, exigiam necessariamente "padrão social". Outros, dizia o guia, podem te considerar suspeito caso aja de forma diferente dos demais.

Mas quem, afinal, escreveu o guia? Isso não se sabe --mas um analista não-identificado do MI5 deixou algumas pistas.

"É possível que o documento esteja ligado aos interesses de inteligência do Exército Vermelho", comenta o agente num documento.

"Trepper visitou a Grã-Bretanha cinco ou seis vezes entre 1937 e 1939, sua última visita foi provavelmente no verão de 1939 para discutir possibilidades para a rede de inteligência do Exército Vermelho."

Orquestra Vermelha

Leopold Trepper foi um dos melhores e mais condecorados espiões soviéticos. Judeu polonês, ele fugiu para Moscou no início da guerra e foi recrutado pela NKVD, ramificação da política secreta da União Soviética.

Ele criou uma rede de agentes comunistas, conhecida como "Die Roten Kapelle" (A Orquestra Vermelha). Sua missão era minar a atuação dos nazistas na Europa Ocidental.

Ele foi preso e interrogado na França. Após a liberação do país pelo aliados, voltou a Moscou --mas acabou afastado num dos expurgos paranóicos de Stálin. A liderança soviética passou a vê-lo como uma ameaça.

Após dez anos na prisão, ele partiu para a Polônia. Anos depois, Trepper se mudou para Israel, onde escreveu suas memórias da guerra antes de morrer em 1982.
 

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