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02/06/2005 - 16h53

Análise: "Não" é rejeição a reformas econômicas neoliberais

STEVE SCHIFFERES
da BBC Brasil

A rejeição da Constituição européia pelos eleitores da França e da Holanda é, entre outras coisas, uma rejeição à agenda de reformas econômicas "neoliberais".

Os eleitores tinham muitas razões para votar contra a Carta da União Européia (UE). Eles queriam punir governos impopulares, temiam que a expansão possa mudar o caráter da UE ou de seus próprios países e estavam preocupados com crime e imigração.

Mas uma das razões-chave é a insatisfação com o desempenho econômico de países importantes da zona do euro. Para muitos eleitores, essa insatisfação está ligada à percepção de que a criação dessa zona --formada pelos 12 países que adotaram o euro como sua moeda desde 2002-- levou a preços mais altos, maior desemprego e queda no padrão de vida.

O crescimento econômico da zona do euro neste ano está previsto para apenas 1,6%, comparado aos 3,6% dos Estados Unidos. O desemprego chega a 8,9% em média na zona do euro como um todo, e a mais de 10% na França e na Alemanha.

Reformas frustradas

Muitos líderes da UE, especialmente o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, argumentam que a única solução para esse crescimento baixo é acelerar as chamadas reformas de Lisboa.

Nesse plano, acertado em 2000, os líderes da UE se comprometeram a fazer da Europa a região mais competitiva do mundo até 2010, com a liberalização dos mercados de trabalho e aceleração das reformas econômicas.

Cinco anos depois, está claro que a agenda de Lisboa está encontrando grande resistência na população em países-chave.

A tentativa da Alemanha de reformar seu mercado de trabalho e sistema de benefícios levou a sérias perdas para o partido do governo, o Social Democrata, nas recentes eleições regionais, forçando o chanceler Gerhard Schröder a defender a antecipação das eleições gerais.

Na França e na Holanda, tentativas de reformar o Estado do Bem-Estar Social e a Previdência Social para aumentar as contribuições e reduzir benefícios levaram a greves e protestos generalizados.

O fracasso em reformar suas estruturas de bem-estar social, combinado com o baixo crescimento econômico, levou a crescentes déficits do setor público, violando as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE.

A Alemanha e a França desafiaram tentativas da UE de fazer com que eles cumprissem essas regras em três anos, até que elas finalmente foram flexibilizadas na reunião de cúpula da UE em março.

Sindicatos

A reunião de cúpula também se descolou de propostas para liberalizar o enorme setor de serviços da Europa, permitindo que empresas e indivíduos operem serviços como computação e construção em toda a Europa, sem restrições.

Os defensores da proposta sobre serviços disseram que ela poderia criar 600 mil novos empregos.
No entanto, provocou forte oposição dos sindicatos que temiam que a mudança levasse à queda dos padrões de vida dos trabalhadores.

Países mais ricos como França e Alemanha também temiam que abrisse o caminho para empresas transferir empregos de seus trabalhadores de salários mais altos para a Europa do Leste, onde os salários e os benefícios são muito mais baixos, aumentando o desemprego.

Também havia temores de que os trabalhadores do setor de serviços da Europa do Leste se transferissem para o Oeste, sobrecarregando os serviços públicos.

Na Holanda, a preocupação de que a imigração maciça seria uma ameaça à forma de vida dos holandeses também foi um fator importante no aumento do ceticismo em relação à UE.

É notável que a Grã-Bretanha tenha sido um dos poucos países da Europa a concordar com a imigração livre de pessoas dos países que entraram na UE em 1º de maio de 2004.

Estado do Bem-Estar

A votação da Constituição da UE expôs a divisão filosófica fundamental dentro da Europa entre aqueles que querem levar adiante as reformas econômicas a qualquer custo e aqueles que temem que os custos sociais de tais mudanças sejam alto demais.

Para muitos na "Velha Europa", a preservação do chamado "Estado do Bem-Estar" e sua proteção social está acima de tudo, mesmo que isso signifique crescimento mais baixo.

Ao contrário dos Estados Unidos, onde a imigração em massa é vista como um benefício econômico, muitos países europeus com fortes redes de proteção social acreditam que muita imigração, mesmo de outros países europeus, pode pôr em risco esses benefícios.

O fato de que a Constituição da UE trata, em essência, da reestruturação das instituições da UE para refletir a ampliação da organização sem dúvida não contribuiu para sua popularidade.

Os líderes da UE agora precisam se concentrar em muitos temas políticos.
Mas eles também precisam reconstruir o consenso sobre reforma econômica que dominou a orientação política da UE nos últimos cinco anos.
 

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